Educar, engajar e fortalecer são ações fundamentais para uma cultura de doação, aponta documento

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ODS 16 
Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas a todos os níveis

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Quase 496 mil pessoas e instituições realizaram doações para combater a Covid-19 no Brasil, segundo aponta o Monitor das Doações, plataforma da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR). A soma de recursos consiste em mais de R$ 6,3 bilhões. Entretanto, se o volume doado teve crescimento exponencial entre março e maio, alcançando mais de R$ 5,5 bilhões arrecadados em 31 de maio, a curva das doações começou a se estabilizar em meados de julho, com cerca de R$ 400 milhões doados desde então, mesmo que o Brasil ainda apresente altas médias diárias de novos casos e óbitos em razão da doença.

Diante desse cenário, muitas pessoas estão se perguntando como é possível manter o engajamento no combate à pandemia. Um dos passos necessários para que as doações continuem acontecendo, independente de seu formato, é incentivar o desenvolvimento e o fortalecimento de uma cultura de doação, pauta defendida pelo Movimento por uma Cultura de Doação, que acaba de lançar um site próprio para reunir informações sobre o tema.
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Portal sobre doação 

A plataforma define o movimento como uma rede aberta e democrática, formada por pessoas e organizações que, desde 2012, se articulam voluntariamente em torno do mesmo propósito de enraizar a doação como parte da cultura brasileira.

Com a participação de diversos representantes do investimento social privado (ISP) e de organizações da sociedade civil (OSCs), como Fundação José Luiz Egydio Setúbal, GIFE, Instituto Humanize, Instituto ACP, Instituto Mol, Movimento Bem Maior, Umbigo do Mundo e Worldwide Initiatives for Grantmaker Support (WINGS), o grupo participa e encabeça diversas iniciativas que contribuem para conscientizar cada vez mais pessoas, líderes, gestores, organizações e empresas acerca da importância da criação de um ambiente favorável à cultura e à prática de doação no país.

Entre as ações estão o Fundo BIS, impulsionado pelo Movimento e realizado pelo GIFE com o objetivo de selecionar projetos sobre a temática, e o Dia de Doar, data criada nos Estados Unidos e adotada no Brasil com o objetivo de mobilizar mais pessoas para apoiar OSCs que trabalham para melhorar a vida em sociedade. A edição de 2019, por exemplo, arrecadou R$ 2,3 milhões, com 30 campanhas comunitárias, alcançando 42 milhões de pessoas.
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Retrato brasileiro

Outra iniciativa do Movimento foi constituir uma Força-Tarefa em torno da articulação de diversas organizações. Em 2019, a primeira ação do grupo foi a realização de uma pesquisa para sistematizar conteúdos já produzidos sobre o tema, identificar desafios e potenciais oportunidades para o campo, além de recomendações iniciais para debater o assunto.

O levantamento inicial foi seguido de momentos de escuta junto a especialistas e realização de workshops. Todo o processo deu origem ao documento Por um Brasil + Doador, Sempre, que pode servir como um norteador de ações, explica Joana Mortari, uma das fundadoras do Movimento. “Esperamos que ao chegar a uma universidade, banco ou OSC, o documento possa gerar conversas sobre como o fazer daquela organização contribui ou trabalha contra a formação dessa consciência cidadã-doadora.”

O documento apresenta o manifesto do Movimento e traz dados sobre a doação no Brasil, que revelam, por exemplo, que a população é doadora mas ainda doa pouco (sendo R$ 200 o valor médio anual da doação). O volume anual doado por brasileiros, cerca de R$ 13,7 bilhões, equivale a uma baixa porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB), se comparado a outros países: 0,23% no Brasil, 0,5% no Reino Unido e 1,5% nos Estados Unidos. No World Giving Index, por exemplo, ranking realizado há dez anos para medir o grau de solidariedade das nações, o Brasil ocupa uma posição média de 74, com o melhor desempenho registrado em 2015, quando ficou no 68º lugar.

De acordo com a pesquisa, são três as principais barreiras à prática de doação no Brasil: as pessoas não entendem o que fazem as OSCs e não confiam nelas, as pessoas não têm noção de causa nem do poder transformador da doação e as pessoas acham que quem doa não deve falar sobre isso. As três razões estão relacionadas à forma como a população enxerga e compreende o tema e, por isso, ainda se fazem necessárias ações de conscientização e de processos educativos sobre o assunto.

“Promover uma mudança de cultura é um processo longo e profundo e tem a ver com provocar uma reflexão sobre como enxergamos o doar, as organizações e a sociedade civil, mas também como enxergamos a nós mesmos em relação ao doar. Não adianta apenas divulgar ações que aquecem o coração, mas é necessário também provocar reflexão sobre como doamos. O desafio é que pessoas e organizações estão em diferentes momentos desse processo reflexivo, e, portanto, precisamos pensar em mensagens diferentes para diferentes públicos”, explica Joana.
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Educar, engajar e fortalecer 

Todo esse processo de diagnóstico subsidiou a elaboração de cinco grandes diretrizes com o objetivo de potencializar a cultura de doação brasileira. São elas: educar para a cultura de doação, promover narrativas engajadoras, criar um ambiente favorável à doação, fortalecer as organizações da sociedade civil e fortalecer o ecossistema promotor da cultura de doação.

Cada uma é acompanhada de uma visão, resumo, recomendações, atores-chave e principais iniciativas já existentes. Na diretriz um, por exemplo, o documento reforça a importância de ‘fortalecer o espírito cívico e comunitário da população brasileira, promovendo o papel das organizações da sociedade civil para a garantia de direitos e da democracia’, com cada vez mais pessoas falando abertamente sobre suas doações. Todo esse processo está conectado a uma educação voltada à generosidade e são atores-chave associações, bancos, consultores do terceiro setor, escolas e universidades, family offices, filantropos, instituições do ISP e outros.

Na diretriz dois, por sua vez, faz-se necessário o papel das próprias OSCs e sobretudo da mídia para promover narrativas positivas, qualificadas e inclusivas sobre a doação, com o objetivo de atingir o maior número de pessoas. “Doar precisa virar assunto do dia a dia, conversa na hora do jantar”, reforça o documento.
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Solidariedade frente à Covid-19

É inegável que a chegada da Covid-19 ao Brasil incentivou um maior número de doações, sobretudo nos primeiros meses da pandemia. Para Joana, houve maior valorização das doações, algo que tem o potencial de incentivar e trazer mais pessoas para o ato de doar. “A doação passou a ser parte da conversa do dia a dia, dos jornais e programas de comunicação. Por fim, criaram-se canais de doação claros e campanhas”, observa.

A especialista acredita na solidariedade do brasileiro e a atribui a uma combinação de fatores que permitiu diminuir a resistência à doação. “Nos sentimos chamados a doar quando entendemos a dor do outro. Com o coronavírus, estamos todos sentindo a dor. A doação vem desse lugar de conexão com o outro e de nos sentimos mais conectados ao enfrentar uma situação que afetou a todos nós.”
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Fonte: GIFE – Associação dos Investidores Sociais do Brasil


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Saúde, educação, cidadania e economia. Esses são os pilares que regem o trabalho da Haja, uma organização não governamental (ONG) que tem ajudado a tirar famílias inteiras da extrema pobreza. A filosofia de atendimento, que teve início em comunidades do Rio de Janeiro, chegou também ao Egito, onde 100 crianças são atendidas por voluntários.

“A gente costuma dizer que a nossa missão é construir pontes para que os moradores tenham acesso aos seus direitos”, diz Nadia Barbazza, uma das criadoras da iniciativa. Atraída pela causa da saúde pública, a suíça descendente de italianos desembarcou no Brasil, pela primeira vez, em 1992. E nunca se esqueceu do que viu. “Eu fui chamada para trabalhar no Morro do Borel e acabei descobrindo um mundo com muita violência e total ausência do poder público”, conta.

No morro – considerado o mais violento da América Latina, na época – Nadia conheceu outro visionário: Pedro Rocha Junior, o “Pedro do Borel”. Carioca da gema e membro da mesma ONG que trouxe a estrangeira para a América do Sul, ele se tornaria seu companheiro de empreitada e de vida.

Da zona norte do Rio, o casal seguiu para uma experiência de quatro anos no Egito, berço para que a metodologia de abordagem da ONG fosse criada. “Lá, nós começamos um trabalho com crianças em situação de rua e foi aí que criamos um manual para o desenvolvimento intelectual, físico, social e emocional delas, de acordo com o perfil e idade de cada uma”, recorda Nadia. Hoje, o trabalho é mantido por moradores locais treinados por eles.

De volta ao Brasil e com muitas ideias na cabeça, Nadia e Pedro decidiram que era hora de diminuir o tempo de espera e dar mais agilidade ao atendimento prestado às famílias. Surgiu, então, a Haja. “Nós somos relativamente novos, temos só dois anos de existência. Contamos com voluntários e pessoas físicas que colaboram muito com a gente”, descreve a suíça.

O local escolhido para “fixarem as raízes” foi a comunidade de Quatro Rodas, no Jardim Gramacho, município de Duque de Caixas (RJ). A área, que fica a 13 quilômetros da capital fluminense, circunda a Baía de Guanabara e já abrigou o maior aterro sanitário latino-americano.

“Hoje, 87% dos moradores ao redor do aterro vivem em situação de pobreza. Desses, 68% vivem em extrema pobreza, ou seja, com menos que R$ 118 per capita por mês”, destaca o site da Haja. A região também lidera os índices de violência no estado do Rio de Janeiro e concentra apenas 30% das crianças de 0 a 6 anos frequentando a escola.
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Mão na massa

Para as crianças, o foco da Haja está na educação e no protagonismo social. Para os adultos, formação e geração de renda. “Nossa atuação é pautada no desenvolvimento comunitário, não de fora para dentro, mas de dentro para fora”, ressalta Nadia. Segundo ela, “não é só sobre aprender a ler e escrever, mas criar competências e investir nas pessoas”.

Nádia e as crianças do Jardim Gramacho, em Duque de Caxias (RJ). Foto: Anderson ValentimNádia e as crianças do Jardim Gramacho, em Duque de Caxias (RJ). Foto: Anderson Valentim

Como ações, ela cita a construção de creches, unidades de saúde, implantação de programas de ensino, apoio escolar e oficinas de economia solidária. Os indicadores dos primeiros 12 meses de trabalho também estão expostos na página da organização na internet: uma casa construída e mobiliada, 12 famílias fora da extrema pobreza, 50 crianças com acesso à educação não formal, 12 famílias inscritas no programa de geração de renda e um total de 201 pessoas atendidas.
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Projetos:

Vejo um Jardim

Junto com a comunidade, se torna um ponto estratégico para que crianças aprendam a construir e acessar sua identidade e cidadania. Ensina, também, a lidar e conviver em harmonia com seu micro e macro cenário. Por meio de ações na área da saúde, educação e economia e baseado em necessidades reais gera um cenário mais justo e transformador.
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Tá limpo

O projeto tem como base a ecologia social que vê o indivíduo no centro, no maior foco. Nesse contexto, são criadas oportunidades que estimulam e apoiam a reciclagem e a redução do consumo, com palestras e pequenas ações. Como segundo objetivo, viabiliza os recursos necessários para que as famílias possam viver com qualidade de vida digna.
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Cairo sem cárie

A iniciativa atende crianças em situação de risco com acesso a tratamentos odontológicos. Quase 70% das crianças no Cairo (Egito) têm histórico de cárie não tratada. Enquanto isso, 80% sofrem de alguma forma de doença periodontal. Atenção mínima é dada à prevenção primária, tanto em nível individual quanto profissional.
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Pandemia

Por enquanto, o DNA da ONG (de promover geração de renda, acesso à educação, ecologia social, planejamento familiar e atenção à saúde) está comprometido por conta das restrições da Covid-19 – o que não quer dizer que as famílias do Gramacho deixaram de ser assistidas. “Nós temos abastecido eles com água, alimentos e o que mais conseguirmos providenciar. Estamos com eles durante a pandemia e vamos estar depois”, responde Nadia.

Entre as entregas de julho deste ano: 1,3 mil cestas básicas (com alimentos e produtos de higiene), 665 “cestas digitais” (crédito em cartão), 100 máscaras infantis e 140 mil litros de água, além da instalação e distribuição de canos para acesso à água potável, apoio escolar para 25 crianças e 40 vagas abertas no programa educacional. “Pobreza também é falta de acesso às oportunidades”, conclui a fundadora.
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Por Lucian Haro

Fonte: Gazeta do Povo