Arquiteto ensina a construir casa sustentável e de impacto social positivo
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ODS 11
Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis
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Na casa onde o arquiteto Tomaz Lotufo mora com a família num sítio em Botucatu, no interior de São Paulo, as paredes foram feitas com cupinzeiros recolhidos de pastos da região. “O cupim coloca uma espécie de baba na terra que a deixa apropriada para a construção e a protege da chuva”, explica o arquiteto e educador paulistano, especializado em permacultura. Idealizada nos anos 1970 pelos australianos Bill Mollison e David Holmgrem, a permacultura prega uma “cultura de permanência” da vida na Terra por meio de práticas sustentáveis que unem o conhecimento dos povos ancestrais com o uso de tecnologias atuais.
Aos 44 anos, Tomaz é o representante da terceira geração de uma família de arquitetos. O avô, Zenon Lotufo, integrou a equipe liderada por Oscar Niemeyer que projetou o Parque do Ibirapuera, inaugurado em 1954. O pai, Vitor Lotufo, participou dos mutirões de habitação popular da prefeitura de Luiza Erundina (1989-1992). Quando o filho se interessou pela arquitetura ecológica, Vitor fez o projeto da casa de cupinzeiros e Tomaz ficou responsável pela obra. “Essa casa é simbólica, porque me deu coragem para mergulhar de cabeça na permacultura”, conta Tomaz, hoje integrante do escritório colaborativo Sem Muros, especializado em projetos de baixo impacto ambiental e impacto social positivo. “Para nós, o ecológico e o social caminham juntos”.
Mestre em arquitetura pela Universidade de São Paulo e professor da Pós-Graduação em Arquitetura e Sustentabilidade do Centro Universitário Belas Artes, Tomaz coordena o curso de “Arquitetura ecológica: outras formas de habitar”, realizado pelo parque ecológico Ekôa (www.ekoapark.com.br). As aulas online – que têm, entre seus instrutores, o designer Marcelo Rosenbaum, o arquiteto Edgard Gouveia Jr. e o educador popular Tião Rocha – começaram em agosto e vão até dezembro.
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Organismo vivo
A permacultura parte da observação da paisagem para identificar os recursos – naturais, culturais, sociais e econômicos – disponíveis para o planejamento de uma obra. “O permacultor vê a casa como um organismo vivo e faz o gerenciamento da energia dela – presente em seus recursos -, direcionando-a para onde ela seja útil e necessária. Ao fazer isso, o resíduo se transforma em recurso”, explica Tomaz.
Com base nesses princípios, o arquiteto reformou e ampliou uma casa no bairro do Butantã, zona oeste de São Paulo. Tijolos e madeiras demolidos do térreo foram reaproveitados em outros pontos da casa, que ganhou um andar de cima. Ladrilhos hidráulicos descartados por um bar da Vila Madalena foram usados no chão do banheiro. A madeira de demolição encontrada em caçambas alimenta o forno à lenha que aquece a residência no inverno.
Um sistema integrado de jardins faz o tratamento biológico do esgoto. “A água que sai do chuveiro, da pia e da máquina de lavar é tratada em caixas com raízes de plantas de brejo, que funcionam como filtros. Essa água vai para uma lagoa com peixes, que comem as larvas e os ovos de pernilongo, e depois segue para a horta ou para o jardim com bananeiras, que fazem a filtragem final”, conta.
Segundo o permacultor, a filtragem ocorre porque os micro-organismos presentes nas raízes das bananeiras decompõem os resíduos e disponibilizam os nutrientes para a planta. Por fim, as bananas colhidas no jardim são consumidas pelos moradores e o excedente é doado para os vizinhos, gerando um impacto social positivo. Até 2018, o arquiteto morou ali com a mulher, Danuta, e os filhos, Martim e Lina, antes de se mudarem para o sítio em Botucatu. Hoje a casa está alugada.
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Uso de elementos e tradições locais
A lógica de aproveitamento dos recursos foi usada em outra obra do arquiteto, no Ekôa Park, parque ecológico localizado em Morretes, no Pananá. Num pavilhão do parque onde são oferecidos cursos de educação ambiental, o arquiteto usou um material abundante da região, o bambu cana da Índia, e criou uma estrutura de feixes e treliças em cima de uma antiga cocheira. “Fizemos um retrofit do espaço. Subimos uma estrutura de bambu e usamos, para cobrir, telhas feitas com tubos de pasta de dente picados”.
O educador mineiro Lúcio Ventania, um dos principais representantes do movimento de popularização do uso do bambu no Brasil, foi o responsável por erguer a estrutura. Artesãos locais que fazem móveis de bambu foram convidados a participar. “A ideia foi encorajar o uso da tecnologia de mobiliário para a edificação. Dessa forma, eles podem replicar em casas da região”, explica Tomaz.
O material retirado da cobertura original do antigo estábulo foi usado para construir um galinheiro, que por sua vez é conectado a uma horta mandala. “Dentro do galinheiro fica uma composteira onde são colocados os resíduos orgânicos da cozinha do parque. Os resíduos do chão do galinheiro também são depositados ali. Após o processo de decomposição do material orgânico, o húmus resultante é usado para adubar a horta, que vai produzir os alimentos que serão usados na cozinha. Ou seja: uma coisa alimenta a outra, criando um ciclo contínuo de transformação de energia, sem desperdício”.
Permacultura para todos
A estratégia da permacultura também pode ser usada para o empoderamento de uma comunidade. Foi o que aconteceu em Várzea Queimada, um povoado no sertão do Piauí, onde Tomaz e Henrique Pinheiro, seu colega no escritório Sem Muros, foram convidados para participar do projeto A Gente Transforma, do designer paulistano Marcelo Rosenbaum. Marcelo levou uma equipe multidisciplinar para potencializar, por meio do design, a produção e a comercialização do artesanato local.
Os permacultores foram os responsáveis por construir a sede onde os artesãos criam tapetes, luminárias e cestos feitos a partir da carnaúba. “Ali foi um projeto de empoderamento, em que as decisões de construção foram tomadas junto com a comunidade. Foi uma troca de saberes entre profissionais, moradores locais e um grupo de estudantes selecionados de todo o Brasil que participaram do projeto”.
Tomaz e Henrique usaram técnicas da arquitetura bioclimática para lidar com o sol e o calor escaldantes da região semiárida. “Criamos uma estrutura com pátios internos bem ventilados, com sombra e ar fresco, uma demanda dos moradores. As portas se elevam, formando beirais e aumentando a área de sombra. Na parte superior, colocamos cobogós, que permitem a ventilação natural. O ar quente sobe e sai pelas frestas”.
O arquiteto destaca que a permacultura precisa estar disponível para a população de baixa renda – tantos dos campos como das cidades. “Não adianta pensar em ecologia só para os 15% da população que podem pagar por um projeto de arquitetura. Ecologia é para todo mundo. As técnicas e tecnologias de permacultura precisam ser simples para que possam ser replicadas por todos”.
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Casa é escola
Na opinião de Tomaz, a disseminação em larga escala das técnicas de permacultura esbarra em questões econômicas e culturais. “É preciso construir uma outra cultura, diferente da que produziu o problema ambiental e social que a gente vive hoje. É uma mudança de comportamento, que precisa ser incorporada pelas pessoas. Isso leva tempo, não é algo que possa ser realizado da noite para o dia”.
A pandemia do novo coronavírus, que obrigou as pessoas a ficarem mais tempo dentro de casa, trouxe uma oportunidade para se iniciar um processo de mudança. Tomaz cita a teoria das cinco peles do artista e arquiteto austríaco Friedrich Hundertwasser, segundo a qual a primeira pele é a epiderme, a segunda é a roupa, a terceira é a casa, a quarta é a comunidade e a quinta é o planeta. “Antes, a terceira pele era vista apenas como um dormitório. Agora não: a casa virou o nosso local de trabalho e a escola dos nossos filhos. Não temos a ajuda de outras pessoas, temos que fazer as tarefas domésticas sozinhos. Isso nos deu uma lucidez maior sobre a importância desse lugar”.
Com o isolamento social, momentos de conexão com a natureza nunca foram tão valorizados. Em suas casas ou apartamentos, muitas pessoas passaram a dedicar mais tempo para cozinhar, cuidar de plantas, montar pequenas hortas e composteiras. Mudanças de valores e comportamentos como esses têm o poder de influenciar gerações. “Meu filho Martim nasceu numa casa onde os restos orgânicos vão para uma composteira, que gera o adubo para a horta, que produz o alimento que ele come. Para ele, restos orgânicos não são lixo. É uma mudança de visão que impacta na forma de se consumir. Crianças como o Martim podem mudar o mundo”, conclui o arquiteto.
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Fonte: Ecoa/UOL
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Na casa onde o arquiteto Tomaz Lotufo mora com a família num sítio em Botucatu, no interior de São Paulo, as paredes foram feitas com cupinzeiros recolhidos de pastos da região. “O cupim coloca uma espécie de baba na terra que a deixa apropriada para a construção e a protege da chuva”, explica o arquiteto e educador paulistano, especializado em permacultura. Idealizada nos anos 1970 pelos australianos Bill Mollison e David Holmgrem, a permacultura prega uma “cultura de permanência” da vida na Terra por meio de práticas sustentáveis que unem o conhecimento dos povos ancestrais com o uso de tecnologias atuais.
Aos 44 anos, Tomaz é o representante da terceira geração de uma família de arquitetos. O avô, Zenon Lotufo, integrou a equipe liderada por Oscar Niemeyer que projetou o Parque do Ibirapuera, inaugurado em 1954. O pai, Vitor Lotufo, participou dos mutirões de habitação popular da prefeitura de Luiza Erundina (1989-1992). Quando o filho se interessou pela arquitetura ecológica, Vitor fez o projeto da casa de cupinzeiros e Tomaz ficou responsável pela obra. “Essa casa é simbólica, porque me deu coragem para mergulhar de cabeça na permacultura”, conta Tomaz, hoje integrante do escritório colaborativo Sem Muros, especializado em projetos de baixo impacto ambiental e impacto social positivo. “Para nós, o ecológico e o social caminham juntos”.
Mestre em arquitetura pela Universidade de São Paulo e professor da Pós-Graduação em Arquitetura e Sustentabilidade do Centro Universitário Belas Artes, Tomaz coordena o curso de “Arquitetura ecológica: outras formas de habitar”, realizado pelo parque ecológico Ekôa (www.ekoapark.com.br). As aulas online – que têm, entre seus instrutores, o designer Marcelo Rosenbaum, o arquiteto Edgard Gouveia Jr. e o educador popular Tião Rocha – começaram em agosto e vão até dezembro.
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Organismo vivo
A permacultura parte da observação da paisagem para identificar os recursos – naturais, culturais, sociais e econômicos – disponíveis para o planejamento de uma obra. “O permacultor vê a casa como um organismo vivo e faz o gerenciamento da energia dela – presente em seus recursos -, direcionando-a para onde ela seja útil e necessária. Ao fazer isso, o resíduo se transforma em recurso”, explica Tomaz.
Com base nesses princípios, o arquiteto reformou e ampliou uma casa no bairro do Butantã, zona oeste de São Paulo. Tijolos e madeiras demolidos do térreo foram reaproveitados em outros pontos da casa, que ganhou um andar de cima. Ladrilhos hidráulicos descartados por um bar da Vila Madalena foram usados no chão do banheiro. A madeira de demolição encontrada em caçambas alimenta o forno à lenha que aquece a residência no inverno.
Um sistema integrado de jardins faz o tratamento biológico do esgoto. “A água que sai do chuveiro, da pia e da máquina de lavar é tratada em caixas com raízes de plantas de brejo, que funcionam como filtros. Essa água vai para uma lagoa com peixes, que comem as larvas e os ovos de pernilongo, e depois segue para a horta ou para o jardim com bananeiras, que fazem a filtragem final”, conta.
Segundo o permacultor, a filtragem ocorre porque os micro-organismos presentes nas raízes das bananeiras decompõem os resíduos e disponibilizam os nutrientes para a planta. Por fim, as bananas colhidas no jardim são consumidas pelos moradores e o excedente é doado para os vizinhos, gerando um impacto social positivo. Até 2018, o arquiteto morou ali com a mulher, Danuta, e os filhos, Martim e Lina, antes de se mudarem para o sítio em Botucatu. Hoje a casa está alugada.
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Uso de elementos e tradições locais
A lógica de aproveitamento dos recursos foi usada em outra obra do arquiteto, no Ekôa Park, parque ecológico localizado em Morretes, no Pananá. Num pavilhão do parque onde são oferecidos cursos de educação ambiental, o arquiteto usou um material abundante da região, o bambu cana da Índia, e criou uma estrutura de feixes e treliças em cima de uma antiga cocheira. “Fizemos um retrofit do espaço. Subimos uma estrutura de bambu e usamos, para cobrir, telhas feitas com tubos de pasta de dente picados”.
O educador mineiro Lúcio Ventania, um dos principais representantes do movimento de popularização do uso do bambu no Brasil, foi o responsável por erguer a estrutura. Artesãos locais que fazem móveis de bambu foram convidados a participar. “A ideia foi encorajar o uso da tecnologia de mobiliário para a edificação. Dessa forma, eles podem replicar em casas da região”, explica Tomaz.
O material retirado da cobertura original do antigo estábulo foi usado para construir um galinheiro, que por sua vez é conectado a uma horta mandala. “Dentro do galinheiro fica uma composteira onde são colocados os resíduos orgânicos da cozinha do parque. Os resíduos do chão do galinheiro também são depositados ali. Após o processo de decomposição do material orgânico, o húmus resultante é usado para adubar a horta, que vai produzir os alimentos que serão usados na cozinha. Ou seja: uma coisa alimenta a outra, criando um ciclo contínuo de transformação de energia, sem desperdício”.
Permacultura para todos
A estratégia da permacultura também pode ser usada para o empoderamento de uma comunidade. Foi o que aconteceu em Várzea Queimada, um povoado no sertão do Piauí, onde Tomaz e Henrique Pinheiro, seu colega no escritório Sem Muros, foram convidados para participar do projeto A Gente Transforma, do designer paulistano Marcelo Rosenbaum. Marcelo levou uma equipe multidisciplinar para potencializar, por meio do design, a produção e a comercialização do artesanato local.
Os permacultores foram os responsáveis por construir a sede onde os artesãos criam tapetes, luminárias e cestos feitos a partir da carnaúba. “Ali foi um projeto de empoderamento, em que as decisões de construção foram tomadas junto com a comunidade. Foi uma troca de saberes entre profissionais, moradores locais e um grupo de estudantes selecionados de todo o Brasil que participaram do projeto”.
Tomaz e Henrique usaram técnicas da arquitetura bioclimática para lidar com o sol e o calor escaldantes da região semiárida. “Criamos uma estrutura com pátios internos bem ventilados, com sombra e ar fresco, uma demanda dos moradores. As portas se elevam, formando beirais e aumentando a área de sombra. Na parte superior, colocamos cobogós, que permitem a ventilação natural. O ar quente sobe e sai pelas frestas”.
O arquiteto destaca que a permacultura precisa estar disponível para a população de baixa renda – tantos dos campos como das cidades. “Não adianta pensar em ecologia só para os 15% da população que podem pagar por um projeto de arquitetura. Ecologia é para todo mundo. As técnicas e tecnologias de permacultura precisam ser simples para que possam ser replicadas por todos”.
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Casa é escola
Na opinião de Tomaz, a disseminação em larga escala das técnicas de permacultura esbarra em questões econômicas e culturais. “É preciso construir uma outra cultura, diferente da que produziu o problema ambiental e social que a gente vive hoje. É uma mudança de comportamento, que precisa ser incorporada pelas pessoas. Isso leva tempo, não é algo que possa ser realizado da noite para o dia”.
A pandemia do novo coronavírus, que obrigou as pessoas a ficarem mais tempo dentro de casa, trouxe uma oportunidade para se iniciar um processo de mudança. Tomaz cita a teoria das cinco peles do artista e arquiteto austríaco Friedrich Hundertwasser, segundo a qual a primeira pele é a epiderme, a segunda é a roupa, a terceira é a casa, a quarta é a comunidade e a quinta é o planeta. “Antes, a terceira pele era vista apenas como um dormitório. Agora não: a casa virou o nosso local de trabalho e a escola dos nossos filhos. Não temos a ajuda de outras pessoas, temos que fazer as tarefas domésticas sozinhos. Isso nos deu uma lucidez maior sobre a importância desse lugar”.
Com o isolamento social, momentos de conexão com a natureza nunca foram tão valorizados. Em suas casas ou apartamentos, muitas pessoas passaram a dedicar mais tempo para cozinhar, cuidar de plantas, montar pequenas hortas e composteiras. Mudanças de valores e comportamentos como esses têm o poder de influenciar gerações. “Meu filho Martim nasceu numa casa onde os restos orgânicos vão para uma composteira, que gera o adubo para a horta, que produz o alimento que ele come. Para ele, restos orgânicos não são lixo. É uma mudança de visão que impacta na forma de se consumir. Crianças como o Martim podem mudar o mundo”, conclui o arquiteto.
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Fonte: Ecoa/UOL