Combate à Fome em FOCO | Notícias e Reportagens
‘Eu não sei nem te explicar a fome’, diz moradora de SC que vive da venda de materiais recicláveis e de doações
Adriana Santos tem 47 anos e trabalha com material reciclável em Palhoça. Durante a pandemia, ela viu o rendimento com a atividade cair pela metade em razão da falta de materiais disponíveis. Adriana mora em uma das comunidades mais pobres da Grande Florianópolis, a Frei Damião, segundo a prefeitura.
“Eu não sei nem te explicar [a fome]. Aqui tem bastante gente que passa por essa dificuldade. Agora está bem pouco de materiais recicláveis e se faltam esses objetos, falta comida em casa, falta o alimento. E se a gente não tem doação, o resultado é passar fome, fazer o quê. É bem difícil”, disse Adriana Santos.
Antes da pandemia começar, ela afirma que recebia na atividade cerca de R$ 500 por mês. Em razão de problemas de saúde, como diabetes e pressão alta, ela parou de trabalhar e está em casa.
Adriana vive com o marido em uma casa de madeira. Atualmente somente o companheiro dela trabalha com materiais recicláveis e também faz “bicos”.
A família, segundo ela, vive com uma renda mensal de R$ 350. Com esse dinheiro, a família se sustenta e auxilia uma das filhas de Adriana, que tem problemas de saúde, e um neto de 1 ano.
“As pessoas doam, tem uns que dão uma cesta. E assim vai, a gente vai se virando. Para ninguém mais passar fome, o jeito seria arrumar emprego para todo mundo trabalhar e ter dinheiro para comprar seu alimento”, diz.
De acordo com a Prefeitura de Palhoça, foram distribuídas cerca de 5,6 mil cestas básicas durante o ano de 2021 para os previamente cadastrados no Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família. Em 2020, foram entregues 9,5 mil cestas em todo o município.
“Lá ocorre uma situação bem específica. Diversas organizações realizam trabalhos na comunidade, inclusive de distribuição de cestas básicas e itens de alimentação. Por isso, alguns líderes comunitários da região, em conversas com os profissionais da Secretaria de Assistência Social, informaram que a distribuição de cestas básicas pode ser endereçada a outras regiões, pois ali, como foi mencionado, existem diversas organizações que realizam ações em benefício dos moradores. A região possui diversas questões a serem resolvidas e a prefeitura, em parceria com a sociedade, está buscando as melhores soluções”, informa a prefeitura em nota.
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Sem renda, sem comida
Segundo a última atualização feita pelo Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, em maio de 2021, 126.421 famílias inscritas no programa vivem em Santa Catarina com renda de zero até R$ 89 mensais, o que define a extrema pobreza. Ao todo, o estado tem 439.485 famílias de baixa renda cadastradas.
“Isto contrasta com a ideia de que Santa Catarina é uma Suíça brasileira. Há uma grande dificuldade em realizar o debate de que, no estado, há pobreza e insegurança alimentar. Há uma propaganda elitista e higienista de que o estado é rico. Mas não é, há diversas contradições”, diz o presidente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional de Santa Catarina (Consea), Lucidio Ravanello.
Para os pesquisadores, a renda é um dos fatores determinantes para definir a insegurança alimentar da população.
A insegurança alimentar é a falta do acesso pleno e regular a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, como moradia.
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Dados da fome em SC
A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar apontou que, no ano passado, Santa Catarina apresentava de 4% a 10% da população em situação de insegurança alimentar grave, o que se chama de fome. Os dados são do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil.
A mesma pesquisa mostrou que metade da população brasileira (116,8 milhões) convivia com algum nível de insegurança alimentar e 9% da população (19,1 milhões), com a situação mais severa.
O último levantamento feito sobre o tema pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que 50 mil domicílios em Santa Catarina apresentavam insegurança alimentar grave, ou seja, cerca de 2% das casas. O estudo foi desenvolvido entre 2017 e 2018, na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF).
Levando em consideração os moradores dos 50 mil domicílios, o estado tinha 157 mil pessoas passando fome na época. Segundo o órgão, esse levantamento é feito de cinco em cinco anos. O próximo panorama deve ser feito em 2022.
De acordo com o presidente do Consea, a chegada da pandemia contribuiu para a piora do cenário, mas não é a única explicação.
“Acreditamos muito que a situação de extrema pobreza tem aumentado muito em Santa Catarina e não só pela pandemia, mas porque políticas públicas, desde a esfera federal, vêm sendo desmontadas. E também com a não aquisição e desenvolvimento de programas ligados ao fome zero, que são os programas de aquisição de alimentos da agricultura familiar”, explica Ravanello.
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Segurança e insegurança alimentar
De acordo com o IBGE, a insegurança alimentar no Brasil pode ser classificada em diferentes graus:
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Segurança alimentar: são aqueles em que os moradores têm acesso regular e permanente a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais;
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Insegurança alimentar leve é caracterizada pela preocupação ou incerteza quanto ao acess aos alimentos no futuro e à adoção de estratégias que comprometem a qualidade para assegurar sua quantidade;
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Insegurança alimentar moderada: ocorre a redução quantitativa de alimentos no domicílio, com a ruptura dos padrões de alimentação pela falta de alimentos entre os adultos;
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Insegurança alimentar grave: a ruptura no padrão de alimentação atinge todos os moradores, com a redução quantitativa de alimentos também entre as crianças. A fome é uma situação que passa a ser vivenciada no domicílio.
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