Combate à Fome em FOCO | Notícias e Reportagens
Ação une roças tradicionais e preservação de florestas no combate à fome
Por: Carlos Minuano
Uma ação criada no auge da pandemia da covid-19 está mostrando na prática que a união realmente faz a força. Cinco associações de moradores de reservas extrativistas na região conhecida como Terra do Meio, no Pará, mobilizaram mais de 50 comunidades de indígenas, ribeirinhos e agroextrativistas em torno de uma atividade em que todos ganham. A iniciativa está unindo roça tradicional, geração de renda e preservação da floresta para combater a fome em Altamira (PA).
Observando a fartura e a diversidade das roças da Reserva Extrativista Rio Xingu, as associações tiveram a ideia de comprar a produção das comunidades, que não tinham para quem vender, e doar para pessoas em situação de vulnerabilidade em Altamira. O arranjo foi contemplado em 2021 com R$ 215 mil. Os recursos obtidos por meio de um edital do Programa de Aquisição de Alimentos da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) garantem esse ciclo de compra funcionando por um ano.
Duas de quatro entregas previstas já foram realizadas, somando um total aproximado de 7 toneladas de alimentos, conta Francinaldo Lima, coordenador da Amoreri (Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Rio Iriri). A operação aconteceu por meio da Rede de Cantinas Terra do Meio, que une atualmente 14 associações de pessoas que vivem em áreas protegidas.
Mas fazer esses produtos chegarem à cidade não foi uma tarefa simples. “Exigiu uma logística bem complexa, devido à distância onde essas unidades de conservação estão localizadas”, diz Francinaldo. Segundo ele, o escoamento da produção só foi possível graças a uma articulação que envolveu uma rede de instituições parceiras. Isso porque o valor obtido através do programa da Conab paga apenas o alimento entregue pelo produtor, sem prever gastos com transporte. “Algumas comunidades estão a mais de cinco dias de barco do município de Altamira.”
Contudo, apesar dos problemas, limitações e desafios, o projeto está cumprindo seu objetivo. “Já foi executado em torno de R$ 80 mil [do valor do edital] e a terceira entrega está sendo preparada e articulada com as comunidades para os próximos meses”, comemora Fabiola Silva, assessora do ISA (Instituto Socioambiental), um dos parceiros da iniciativa.
De um lado, os recursos ajudam os produtores das reservas. Na outra ponta, cerca de 200 famílias são beneficiadas com cestas básicas contendo produtos da floresta, como farinha de babaçu, castanha-do-pará, cará, inhame, macaxeira, farinha puba, farinha de tapioca e banana, entre vários outros.
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O papel das roças tradicionais
Além de gerar renda para produtores locais e ajudar populações vulneráveis, o projeto no Pará valoriza uma atividade que colabora para preservar a floresta. “A produção de alimentos em comunidades tradicionais é baseada em saberes adquiridos ao longo de milênios por pessoas indígenas que já manejavam a floresta amazônica e outras paisagens do Brasil”, ressalta Jeferson Straatmann, coordenador técnico de Cadeias de Valor no ISA. “São formas de trabalhar na terra que preservam a diversidade”. O coordenador do ISA acrescenta que tais ações ajudam a fortalecer esses sistemas agrícolas.
Algumas dessas práticas de manejo já são reconhecidas pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) como parte da cultura imaterial do país. Hoje, dois sistemas são reconhecidos: o do Rio Negro e o do Vale do Ribeira. Segundo Straatmann, o manejo dos seringueiros da Terra do Meio também está sendo estudado para um futuro reconhecimento pelo Iphan. “Essa habilidade de produzir alimento usando os recursos naturais e transformando floresta em floresta, além de sua relevância local, tem ainda uma importância muito grande mundialmente na questão da regulação climática.”
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Defasagem de preços é um dos problemas
O projeto alavancado com recursos da Conab certamente ajudou a melhorar a renda dos produtores das reservas, mas poderia ter sido melhor, diz Francinaldo Lima.
Segundo ele, há uma defasagem entre os valores pagos pelos alimentos, em comparação com o preço de mercado. “O projeto pagou R$ 5 pela farinha, e no comércio local o valor praticado é R$ 7”.
Para que a iniciativa acontecesse de fato, outros desafios precisaram ser superados, aponta o coordenador da Amoreri. “Não há previsão de adiantamento para garantir o pagamento ao produtor no ato da entrega”. A associação teve que usar recursos próprios para receber o reembolso só após a aprovação da prestação de contas.
O programa de aquisição de alimentos da Conab foi criado pelo governo federal em 2003 dentro do Programa Fome Zero. O nome mudou no final de 2021 para “Alimenta Brasil”, mas foram mantidos os objetivos de promover o acesso à alimentação e incentivar a agricultura familiar.
Por outro lado, o programa tem comprado e distribuído cada vez menos alimentos. A explicação está no orçamento, que vem caindo desde 2013. Em 2011, o investimento passou de R$ 700 milhões; em 2020, caiu para R$ 223 milhões.
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Fonte: Ecoa/UOL