Serei punido por não levar meu filho à escola? Especialistas tiram dúvidas

Atualizado em 18/8/2020

Depois de mais de 150 dias de isolamento social, imposto após a pandemia do coronavírus ser decretada, e com 56,3 milhões de estudantes fora das salas de aula, alguns estados definiram uma data de previsão do retorno do ensino presencial. Das 27 unidades federativas do país, São Paulo, Amazonas, Paraná e Distrito Federal anunciaram a retomada – embora afirmem que o dia estipulado não é definitivo.

Em São Paulo, a volta às aulas está prevista para 7 de outubro, desde que o estado esteja por 28 dias na fase amarela do plano de flexibilização da quarentena. O retorno será gradual para todos os anos e deverá, na primeira etapa, restringir-se a até 35% de estudantes presentes.

No Paraná, a retomada deve ocorrer em setembro, ainda sem dia definido, e prevê volta gradual, a princípio para alunos do 3º ano do ensino médio e do 9º ano do fundamental. No DF, o plano é a volta para metade dos alunos a cada semana a partir de 31 de agosto.

Já no Amazonas, as aulas na rede particular começaram em 17 de julho e na estadual, na última segunda (10) – e as máscaras distribuídas pelo governo para proteção dos alunos viraram meme por causa de seu tamanho.

Com a retomada cheia de particularidades – e sem organização proposta pelo governo federal -, muitos pais encheram-se de dúvidas. Afinal, quem decide que é seguro voltar às aulas? E se, mesmo com o retorno, os responsáveis pela criança continuarem temendo por sua saúde e resolverem não mandá-la para a escola? Cabe punição?

Universa ouviu especialistas para responder essas e outras dúvidas – algumas, no entanto, ainda não têm uma resposta definitiva. A recomendação é que os pais participem inclusive da construção delas.

“É importante reforçarmos que a educação é por excelência uma construção coletiva”, afirma João Paulo Faustinoni, promotor do Ministério Público de São Paulo e secretário do Grupo de Atuação Especial de Educação (Geduc). “Um dos princípios para isso é a gestão democrática. Num momento como este, cresce a importância de que todos os segmentos sejam ouvidos. Sem o engajamento de todos, vai ser muito difícil fazer uma retomada segura”.
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É seguro retomar as aulas agora? Quem decide isso e em que critérios se baseiam?
A retomada das aulas é uma decisão dos governos estaduais e municipais, com base em orientações das autoridades sanitárias. “A decisão, a rigor, é do poder executivo e deve respeitar o que está estabelecido na legislação”, diz o promotor João Paulo Faustinoni.

Segundo ele, essa resolução precisa estar baseada em documentos e estudos que garantam a segurança dos alunos e dos funcionários das escolas. “A retomada que coloque em risco a saúde e a vidas das pessoas descumpre a Constituição”.

A Secretaria de Educação de São Paulo, por exemplo, informa que suas decisões têm como base as informações do Comitê Administrativo Extraordinário para o combate ao coronavírus. O promotor, que faz parte do gabinete de crise sobre a Covid-19 instituído pela Procuradoria-Geral de Justiça, afirma que o Geduc solicitou esses estudos para o governo de São Paulo, mas ainda aguarda as informações.

“A insegurança é enorme e há dificuldade de entender o que está acontecendo de fato, especialmente porque há uma falta de coordenação por parte do Ministério da Educação”.
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E se eu resolver não mandar meu filho para a escola?
O padrão que vem sendo anunciado é de uma retomada gradual e escalonada, a princípio com um percentual pequeno de alunos. “Estamos em uma situação excepcional, mas não em um estado de exceção”, afirma o promotor do MPSP. “Isso significa que os desafios têm que ser baseados na Constituição, e ela diz que educação é obrigatória dos 4 aos 17 anos”.

O sistema de ensino, no entanto, não vai ofertar o retorno às aulas para todos os alunos ao mesmo tempo. “Portanto, necessariamente vamos ter um momento de educação híbrida: uma parte vai ter oferta presencial – se é que isso vai acontecer este ano – e outra por estratégias diversas, como materiais impressos ou aulas online”, diz o promotor.

Para João Paulo, como a oferta presencial não é universal e o medo da contaminação é uma justificativa plausível para um pai não querer que seu filho volte à escola agora, é provável que os conselhos estaduais de ensino ou as próprias assembleias legislativas dos estados façam algum tipo de flexibilização.

Segundo a conselheira do Conselho Nacional de Educação (CNE) Maria Helena Guimarães de Castro, membro da Câmara de Educação Básica, uma das recomendações do parecer da instituição que trata da retomada às aulas (do qual ela é relatora) diz respeito à flexibilização da frequência escolar presencial.

“Recomendamos a possibilidade de opção das famílias pela continuidade das atividades não-presenciais em situações específicas, como existência de comorbidade entre os membros da família ou outras situações particulares, que deverão ser avaliadas pelos sistemas de ensino e escolas”, afirma ela. “Lembro, porém, que a regulação está a cargo dos estados e municípios. As decisões locais variam bastante”.

Se a criança já tiver idade escolar obrigatória e eu decidir não levá-la à escola agora, posso ser penalizado? Hoje, a regra geral, segundo o promotor do MPSP, é que é dever da família assegurar a educação formal dos filhos, que se dá por meio da escolarização. Se uma criança de 4 a 17 anos não estiver na escola, pela lei atual, seus pais ou responsáveis estão cometendo um crime que pode ser punido até com detenção.

Mas, como lembra o promotor João Paulo, estamos em uma situação excepcional. Especialistas acreditam, portanto, que os conselhos municipais e estaduais de educação devem debater e estabelecer com mais clareza os critérios para essa situação.

É provável que, como as aulas serão oferecidas de maneira híbrida, mesclando a modalidade presencial com a não-presencial, exista uma alternativa para quem não desejar levar o aluno para a escola. “Mas continua havendo o dever de os alunos estarem matriculados dos 4 aos 17 anos, além de algum controle de frequência ou participação nas atividades”.

Todas as escolas serão obrigadas a deixar a opção de aulas remotas para os pais que resolverem não levar os filhos? Teoricamente sim. A rede pública de ensino tem a obrigação de prestar seus serviços de maneira universal. “A partir do momento em que há a retomada, ela deve ser garantida para todo mundo”, explica o promotor. A rede privada, por sua vez, também tem que dar conta do contrato estabelecido de prestação de serviço educacional.

As regras para a manutenção de aulas online mesmo com a retomada das presenciais, no entanto, ainda estão sendo debatidas nas secretarias de educação estaduais e municipais.

“Num momento como este, cresce a importância de que todos os segmentos sejam ouvidos. Sem o engajamento de todos, vai ser muito difícil fazer uma retomada segura”-  João Paulo Faustinoni
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Qual protocolo oficial as escolas devem seguir para reabrir?
Com base em orientações do Ministério da Saúde, a Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação elaborou uma cartilha de biossegurança que pode, segundo a pasta, ser utilizada pelos estados e municípios para orientar a retomada das aulas.

Ela estabelece medidas coletivas e individuais de proteção. Entre elas, uso obrigatório de máscara, manter distanciamento de pelo menos 1,5 m, ventilar os ambientes deixando portas e janelas abertas, organizar a volta ao trabalho de funcionários de forma escalonada, medir a temperatura no acesso às áreas comuns, disponibilizar álcool em gel, permitir trabalho remoto aos servidores e colaboradores do grupo de risco, não compartilhar objetos de uso pessoal ou livros e elaborar quinzenalmente relatórios para monitorar e avaliar o retorno das atividades, além de outras sugestões.
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Como fiscalizar se todas as normas estão sendo cumpridas?
É direito dos pais fiscalizar isso. O promotor João Paulo Faustinoni sugere a criação de comitês de pais e professores para que isso possa ser feito. “Esses comitês podem facilitar a fiscalização, mesmo porque não é indicado que grupos grandes entrem nas escolas neste momento”.
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De quem é a responsabilidade se a criança pegar covid na escola?
Também não se sabe exatamente a resposta para essa pergunta. De acordo com a lei, a escola é responsável pela integridade dos alunos no exercício de suas atividades. A partir do momento em que ela se mostra apta para receber os alunos de volta, deve ser responsabilizada se algo acontecer com um estudante. O desafio, a partir daí, vai ser produzir prova de que a contaminação ocorreu na escola.
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Posso exigir teste de covid para os funcionários da escola?
A lei 13.979, de fevereiro deste ano, de medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública, prevê que as autoridades podem adotar testes laboratoriais e coletas de amostras clínicas.

“Se houver, portanto, uma determinação das autoridades de saúde municipais ou estaduais para que professores e funcionários mesmo assintomáticos sejam testados, os pais podem exigir isso”, afirma o promotor do MPSP.

Segundo ele, isso, no entanto, ainda não está estabelecido – além disso, a testagem hoje não é garantia de que amanhã a pessoa não tenha se contaminado.

“Comitês de pais e professores podem facilitar a fiscalização das normas na escola”-  João Paulo Faustinoni
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Terá número máximo de alunos permitido nas salas de aula?
Segundo a conselheira Maria Helena, as experiências internacionais recomendam um número limitado de alunos por sala de aula. Para isso, será necessária a redistribuição deles e a reorganização dos horários e dias de atendimento aos alunos e às famílias.

Não há orientação para a quantidade de alunos por sala – isso deve ser estabelecido pelos governos locais. Em São Paulo, por exemplo, foi estabelecido que, na primeira etapa da reabertura, apenas 35% dos alunos sejam atendidos na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. Para os anos finais do ensino fundamental e ensino médio, o limite máximo de alunos é de 20%.
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Haverá “relaxamento” na média das notas ou na cobrança?
O CNE tem orientações para que a cobrança não seja excessiva. “Sugerimos primeiro uma avaliação formativa, que não é para valer nota, apenas para entender o que o aluno aprendeu ou não”, diz Maria Helena Guimarães. “A partir daí, é possível uma avaliação diagnóstica mais geral”.

Segundo o parecer do Conselho, esses dois tipos de avaliação buscam mensurar o que o aluno aprendeu no período de aulas não-presenciais e quais as lacunas ficaram. “Recomenda-se que as avaliações sejam realizadas pelas escolas e utilizem questões abertas, além dos testes de múltipla escolha”, especifica o documento.

O CNE pede atenção especial à avaliação formativa e diagnóstica da transição dos anos iniciais para os anos finais (e lembra que o sexto ano representa uma transição complexa na vida dos estudantes).

Também recomenda especial atenção aos critérios de promoção do 5º e 9º anos, por meio de avaliações, projetos, provas ou exames que cubram rigorosamente somente os conteúdos e objetivos de aprendizagem que tenham sido efetivamente cumpridos pelas escolas.

Maria Helena sugere evitar a reprovação para, assim, tentar impedir o aumento da evasão escolar. “Mas nossa recomendação não é aprovação automática. Cabe à escola definir os critérios para isso, lembrando que em nosso conjunto de orientações destacamos o replanejamento curricular e um contínuo curricular em 2020/2021, com a possibilidade de manter atividades presenciais e não-presenciais até o ano que vem”.
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Qual o papel dos pais para garantir um retorno seguro?
Para o promotor do MPSP, é importante que pais de alunos da rede pública prestem atenção à existência dos órgãos colegiados, como conselhos de educação, que são fóruns relevantes de participação.

“Isso é importante para entender o que está sendo comunicado, o que a unidade orienta as famílias a fazerem tanto em termos sanitários como de organização, porque esse retorno tende a ser complicado”, afirma.

A conselheira Maria Helena recomenda diálogo com as escolas e que os pais confiem nas autoridades sanitárias. “Não dá para mantermos as escolas fechadas. O alerta da ONU, no sentido de que o mundo vai enfrentar uma catástrofe geracional na educação, é muito impressionante”, diz.

“Em nosso conjunto de orientações destacamos o replanejamento curricular e um contínuo curricular em 2020/2021, com a possibilidade de manter atividades presenciais e não-presenciais até o ano que vem”- Maria Helena Guimarães
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Fonte: Universa/UOL