Se o coronavirus é transportado pelo ar, por que continuamos desinfectando superfícies?

Atualizado em 25/11/2020

Em todo o mundo, as pessoas seguem borrifando álcool, ensaboando e limpando superfícies com o objetivo de matar o coronavírus. Mas cada vez mais cientistas dizem que há pouca ou nenhuma evidência de que superfícies contaminadas podem espalhar a Covid-19. Em espaços fechados e lotados, como aeroportos, dizem eles, o vírus exalado por infectadas permanece no ar e é uma ameaça muito maior.

Lavar as mãos com sabão ou álcool ainda é incentivado para impedir a propagação do vírus, mas esfregar as superfícies em ambientes fechados tem pouco efeito, dizem especialistas.

— Na minha opinião, muito tempo, energia e dinheiro são desperdiçados na desinfecção de superfícies. E, mais importante, desviam atenção e recursos da prevenção da transmissão aérea — alerta. Kevin P. Fennelly, especialista em infecção respiratória do United Institutos Nacionais de Saúde dos Estados.
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Falsa sensação de segurança

Alguns especialistas sugerem que Hong Kong, cidade com 7,5 milhões de habitantes, e com histórico de surtos de doenças infecciosas, é um estudo de caso para o tipo de limpeza de superfície que dá uma falsa sensação de segurança sobre o coronavírus.

O aeroporto de Hong Kong usou um aparelho de “desinfecção de corpo inteiro” semelhante a uma cabine telefônica para os funcionários nas áreas de quarentena. O dispositivo faz parte de um esforço para tornar o aeroporto um “ambiente seguro para todos os usuários”.

Essas ações podem ser reconfortantes para o público, porque parecem mostrar que as autoridades locais estão lutando contra a covid-19. Mas, para Shelly Miller, especialista em aerossóis da Universidade do Colorado, nos EUA, o tal aparelho não faz sentido para controlar infecções.

Segundo Miller, os vírus são emitidos por meio de atividades que espalham gotículas respiratórias, como falar, respirar e tossir. Além disso, sprays desinfetantes em geral são feitos de produtos químicos tóxicos que podem afetar a qualidade do ar interno e a saúde humana.

— Não consigo entender por que alguém pensaria que desinfetar uma pessoa inteira reduziria o risco de transmissão do vírus — disse a pesquisadora.
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Evidências em contrário

Uma série de doenças respiratórias, como o resfriado ou a gripe, são causadas por germes que podem se espalhar de superfícies contaminadas. Portanto, quando o coronavírus surgiu, parecia lógico que esse era seu principal meio de disseminação.

E estudos logo descobriram que o vírus parecia sobreviver em algumas superfícies, incluindo plástico e aço, por até três dias. A Organização Mundial da Saúde (OMS) também enfatizou a transmissão de superfície como um risco — e disse que a disseminação pelo ar era uma preocupação apenas em certos procedimentos médicos que produzem aerossóis.

Mas as evidências científicas de que o vírus poderia permanecer por horas em pequenas gotículas no ar estagnado, infectando as pessoas enquanto elas inalam (especialmente em espaços fechados, lotados e com pouca ventilação) começaram a crescer.

Em julho, um ensaio na revista médica “The Lancet” argumentou que alguns cientistas exageraram o risco de infecção em superfícies pelo novo coronavírus sem considerar estudos de patógenos semelhantes.

— É uma evidência extremamente forte de que, pelo menos para o vírus SARS original, a transmissão em superfícies foi muito pequena —disse o autor do ensaio, o microbiologista Emanuel Goldman, da Rutgers University. — Não há razão para esperar que o parente próximo SARS-CoV-2 (o novo coronavírus) se comporte diferente.

Poucos dias após a publicação do artigo de Goldman, mais de 200 cientistas procuraram a OMS para reconhecer que o coronavírus pode se espalhar pelo ar em qualquer ambiente interno. A agência então reconheceu que a transmissão de aerossol interno pode levar a surtos em locais internos mal ventilados, como restaurantes e escritórios.

Mas a essa altura, a paranóia de tocar em qualquer coisa, desde corrimãos até sacolas de compras, havia disparado. E o instinto de esfregar superfícies como precaução da Covid-19 já estava profundamente enraizado.
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Mas e o ar?

Em Hong Kong, a flexibilização de medidas de isolamento tem preocupado especialistas e chamado a atenção para uma questão global. Além de medidas de proteção em restaurantes, por exemplo, eles temem a convivência em escritórios por conta da possibilidade de as gotículas do coronavírus se espalharem pelas aberturas de ventilação desses locais.

— As pessoas estão tirando as máscaras para almoçar e no trabalho. Mas lembre-se: o ar que você está respirando é basicamente comunitário — disse Yeung King-lun, professor de engenharia química e biológica da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong.
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Fonte: Agência O Globo