Entenda como ficam as relações contratuais durante a pandemia

Atualizado em 27/10/2020

Os contratos celebrados têm força de lei e geram obrigações. Por isso, seus termos devem ser respeitados por aqueles que assinam e também pelo Estado, que só deve ou pode intervir quando houver necessidade.

O mais importante a ser destacado no contrato é a boa fé. A honestidade e a lealdade de agir entre os contratantes é determinante, de modo que nenhuma parte venha obter vantagem indevida sobre a outra.

Esse princípio deve reger as relações, sobretudo, as contratuais. Mas como ficam essas relações nesses tempos de pandemia?

Em 11 de março de 2020 a Organização Mundial da Saúde (OMS) elevou o estado da contaminação à pandemia da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2).

Diante deste cenário, o mundo passou a sofrer com o forte impacto financeiro decorrentes das medidas de isolamento sugeridas pelos organismos internacionais de saúde e especialistas que pesquisam a disseminação da covid-19.

No Brasil, de igual modo, o impacto econômico vem influenciando todos os segmentos da sociedade, alterando e extinguindo diversas relações contratuais firmadas anteriormente.

Diante das incertezas causadas pelo surgimento da pandemia, dúvidas também surgiram acerca do cumprimento das obrigações oriundas das relações contratuais celebradas antes da crise global na saúde.
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DIREITO NÃO É ABSOLUTO

No Código Civil Brasileiro vigora o princípio da conservação contratual, no qual todos os contratos devem ser preservados ao máximo, havendo a extinção denominada no latim de ultima ratio (último caso).

No entanto, como nenhum direito é absoluto, esta regra também comporta exceção, como prevê o artigo 317:

“Quando por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi – lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”.
A exceção à regra também está contida no artigo 478:

“Nos contratos de execução continuada ou diferida , se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença retroagirão à data da citação”.
Os dois dispositivos se fundamentam na teoria da imprevisibilidade, através da qual o juiz, a pedido da parte, pode reduzir a obrigação contratual ou até mesmo resolver (por fim) o contrato sempre que o cumprimento da prestação se tornar excessivamente oneroso ou impossível para um contratante e vantagem excessiva ao outro.
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REVISÃO DE CONTRATOS

Sem dúvida, a pandemia causada pela COVID-19 é um evento inesperado e imprevisível. Portanto, aqueles que celebraram contratos, mesmo antes da crise, caso comprovem que em decorrência da pandemia não possuem recursos para cumprir suas obrigações, podem pleitear em juízo a revisão, pedindo o ajuste das obrigações às suas condições ou até mesmo a extinção do contrato.

Vale ressaltar que todas as situações serão analisadas pelo Judiciário, que deverá pedir provas inequívocas da falta de condições de cumprimento do contrato. Desse modo, vai depender do caso concreto para ser reconhecido se cabe aplicar a teoria da imprevisibilidade.

Os dispositivos podem ser aplicados nos contrato em modo geral: contrato de compra e venda, contrato de prestações sucessivas, contrato de financiamento, contrato de prestação de serviços, contratos de locações, entre outros.
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LOCAÇÃO DE IMÓVEIS

Das relações contratuais mencionadas acima, sem dúvida, o que mais gerou discussão e debates foi o contrato de locação de imóveis. Ainda há diversos questionamentos acerca da possibilidade de atenuantes para o inquilino inadimplente durante a pandemia.

No dia 10 de junho de 2020, o Congresso Nacional decretou e o Presidente da República sancionou a Lei 14.010 que dispõe sobre o regime emergencial e transitório das relações jurídicas privadas, que a princípio vigora até 30 de outubro de 2020.

O artigo 9º da Lei Ordinária previa a possibilidade de suspensão das liminares de despejo, a fim de manter o locatário no imóvel; no entanto, este dispositivo foi vetado pelo Presidente Jair Bolsonaro.

Contudo, há um movimento global para que a suspensão das liminares de despejo seja mantida. O poder judiciário já tem adotado o mesmo entendimento, ao negar liminares para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo, mantendo o inquilino ainda que inadimplente, desde que o mesmo justifique e comprove a mudança da sua situação econômica e a impossibilidade de efetuar os pagamentos.

O Brasil continua como um dos epicentros mundiais da pandemia. Com isso, não se pode estimar quando tudo vai normalizar ou como será o reinício da “normalidade”.

Sendo assim, nos cabe primar pelo bom senso nas relações, quaisquer que sejam, buscando primeiramente o diálogo e quando o entendimento não se mostrar suficiente para solução, buscar a resposta através judiciário sempre preservando a boa fé e jamais utilizando a pandemia com o fim de justificar as inadimplências.
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Por: Felipe Barreto – Advogado formado na FDC – Faculdade de Direito de Campos, especializado em direito civil

Fonte: Portal Viu