Raiva, tristeza e solidão: lidar com esses sentimentos ajuda na pandemia

Atualizado em 19/6/2020

Há muito tempo a quarentena passou dos 40 dias e muitas pessoas se sentem frustradas pela prorrogação do tempo de confinamento. Além de frustração estão ansiosas, com raiva, medo, tristes ou se sentindo solitárias. Como pouco se sabe ainda sobre o novo coronavírus, é complexo prever qualquer resultado referente a extensão e duração do problema, ainda mais aliado a uma somatória de fatores peculiares que temos no país (sociais, econômicos e biológicos). Entender um pouco mais esses sentimentos e aprender a se relacionar com eles, nos ajuda a enfrentar situações imprevistas e inéditas, como esta que estamos vivendo.

Do ponto de vista psicológico, estamos frente ao desconhecido, ao imprevisto e ao inesperado sem ter alguma referência para lidar com o que estamos vivendo. Tentar dar um limite de tempo para esse fenômeno acaba sendo também uma forma de compreender o fenômeno, imaginar o seu tamanho e a sua forma. Por isso as previsões acabam sendo uma espécie de tentativa individual de tratamento, de restituição do sentimento de normalidade ou de projetar um limite ao qual se suportaria a instabilidade causada pelo que não conhecemos, mas que podem nos frustrar quando esses prazos são postergados.

Nem sempre estamos no comando de tudo

Pode ser uma realidade dolorosa saber isto, mas ter essa certeza é fundamental para nos ajudar a lidar com imprevistos e situações desconhecidas e inimagináveis. Viver com a sensação comum de que somos protagonistas de nossas decisões, que somos seres independentes e plenamente livres em nossas escolhas é uma ilusão de controle que acaba ignorando alguns aspectos importantes, por exemplo, que somos limitados por leis que determinam direitos, mas também, deveres; que sofremos o impacto das ações dos outros que nos cercam e das instituições que definem ações de impacto público; mas, sobretudo, eventualmente temos de enfrentar situações de sofrimento que se dão como limite da nossa liberdade de escolha.

Aceitar nosso desamparo faz parte do caminho para a realização do que temos de mais belo: nossa capacidade de solidariedade e de amor ao próximo. Portanto, a melhor forma de aceitarmos que não estamos no controle dessa situação que nos causa sofrimento em diferentes níveis é voltarmos a valorizar os laços humanos como forma de proteção social. Nunca fomos tão dependentes uns dos outros, talvez por isso, nunca tenhamos sido tão significativos também, porque toda vida importa.

Mas isso não quer dizer que perdemos totalmente o controle de tudo. Não temos o controle do macrouniverso, mas podemos ter o controle do nosso micro universo: poder estabelecer e cumprir rotinas, controlar o nosso dia, o que faremos, como faremos, se vamos conversar com determinada pessoa ou não, se lemos ou não lemos determinado livro e assim por diante.

Aliado a frustração de não conseguir controlar o atual período de incerteza que vivemos, estamos suscetíveis a uma série de sentimentos e afetos que são difíceis de serem vividos, tais como a ansiedade, a tristeza, a raiva e a solidão. Qual a melhor maneira de se relacionar com eles para passarmos melhor por essa crise? Veja dicas de como abordar cada um e aprender com eles:

1. Ansiedade

Costuma ter uma relação direta com o sentimento de indeterminação: quando estamos frente a uma situação em que não sabemos bem quais os limites do outro ou de nós mesmos, não sabemos qual o perigo que se esconde no outro ou até que ponto somos quem pensamos ser quando nos confrontamos com algo. Sentimos essa experiência como ansiedade.

Estamos vivendo, porém, uma terceira forma de ansiedade, que é relativa ao excesso de saberes, a uma sobrecarga de imagens e de informações que nos colocam num ritmo voraz de consumo por qualquer conhecimento que nos antecipe o término dos riscos impostos pela covid-19.

Lidar com a ansiedade requer paciência e calma. E não podemos esquecer que se desesperar ou não é sempre uma escolha nossa. Podemos neste momento, nos voltar para o nosso universo menor: organizar nossa agenda, criar rotinas, incluir momentos de relaxamento, meditação, etc. Podemos parar para tentar entender tudo o que está acontecendo. Antes tínhamos uma rotina determinada pelo externo, agora muitos estão com nossa rotina determinada por si mesmos.

Outro fator que nos ajuda a lidar com a ansiedade é não se prender a uma data fixa para o fim da quarentena e sempre pensar que ela pode durar mais do que o previsto, assim diminuímos a expectativa e tensão com a espera do fim e nos preparamos para a eventualidade de alguma mudança.

2. Tristeza

Faz parte deste momento e situação que vivemos experimentar a tristeza. Existe uma dimensão de perda e de prejuízo que, ao que tudo indica, alcançará a todos, como uma onda que alcança direta ou indiretamente toda a extensão de uma praia. Por mais doloroso que seja esse período, ele implica numa dimensão importante da vida. Caberá a nós, porém, a reconstrução de nossas perdas, a retomada de nossas histórias, o reencontro com a nossa falta.

Saber o quanto perdemos de nós mesmos naquilo que perdemos é processo de luto que não pode ser evitado, pelo contrário, ele precisa ser vivido para que possamos seguir em frente. Será necessário saber nos encontrar com a nossa própria tristeza, mas também lembrar que esse encontro tem hora marcada para seu término, mesmo que não saibamos ainda qual ela seja.

3. Raiva

Sabemos que a raiva é um sentimento instintivo que tem a função de defender nosso organismo, mas, além disso, diz respeito a um sentimento de não-aceitação da realidade, de recusa daquilo que nos é imposto. Por isso acaba se tornando um afeto difícil de ser vivido socialmente, porque essa recusa também se estende para os outros que nos cercam e para a realidade na qual estamos inseridos.

Vivenciar a raiva constantemente é desconfortável e não devemos agir por este sentimento. Por outro lado, a raiva pode nos impulsionar a mudanças significativas. Essa explosão, se bem direcionada, pode nos levar à crítica ou à transformação daquilo que se impõe sobre nós sem o devido direito. Nesse caso, o grande desafio é processar esse sentimento e evitar o que a faz presente, distanciar do que gera a raiva racionalizando sobre isso. Por que estou sentindo isso? Devo sentir isso? Isso me ajuda ou atrapalha?

4. Solidão

Muitas pessoas estão passando pelo isolamento social sozinhas, e isso pode ser um motivo de sofrimento. Às vezes nem tanto o sofrimento por não ver ou falar com outras pessoas, pois isso a internet nos permite, mas a pessoa se sente solitária por não ter o toque físico com outras pessoas: o aperto de mão, o abraço, o beijo, etc. Pais e mães extremamente dedicados à proteção e saúde psicológica de seus filhos têm relatado como um impacto psicológico nocivo a falta de tempo para si mesmos, assim como pessoas que dividem espaços pequenos com muitas pessoas.

Em ambos os casos, aproximar e se afastar do outro faz parte de uma política de proteção aos limites da subjetividade. “Eu preciso ficar um tempo a sós” e “eu preciso conversar com alguém” são dois apelos muito justos e que devem ser feitos e bem acolhidos em tempos de pandemia.

Informações: Henrique Bottura, psiquiatra, colaborador do Ambulatório de Impulsividade do IPq do HC-FMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e da Clínica Psiquiatria Paulista; e Tiago Ravanello, psicólogo e professor de psicologia da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul)

Fontes: Viva Bem/UOL