O que é o platô da Covid-19 e por que preocupa que ele ocorra no pico?

Atualizado em 24/7/2020

Desde o surgimento do novo coronavírus na China até a chegada dele ao Brasil, o vocabulário ganhou palavras até então pouco usadas. Entre elas, o tal platô. Seria algo bom? Talvez um indicativo de que as medidas sanitárias adequadas de contenção do vírus estão sendo tomadas? Ou seria apenas o desejo comum de estar com os amigos presencialmente depois de quatro meses de medidas de isolamento e distanciamento social?

Na sexta-feira (17/7), a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu que o Brasil vive o platô da pandemia. Fator que influencia diretamente neste panorama é a taxa de transmissão do vírus que, segundo a OMS, tem demonstrado quedas desde o fim de junho.

Em Minas Gerais, os números de novas contaminações e mortes seguem altos e, ainda assim, o governo estadual afirma que estamos no chamado platô e que os registros devem diminuir nos próximos dias e semanas. Depois de confirmar um recorde de óbitos em 24 horas, nesta quarta-feira, o secretário de Saúde estadual, Carlos Eduardo Amaral, reafirmou a posição e disse que os 95 óbitos são resultado de atraso e acúmulo nas notificações que chegam dos municípios.

A reportagem conversou com o matemático Paulo Angelo Alves Resende, um dos coordenadores do Observatório de Predição e Acompanhamento da Epidemia COVID-19 da Universidade de Brasília (UnB), e com Wildo Navegantes, professor de epidemiologia da Universidade de Brasília (UnB), para explicar o que significa exatamente a estabilização e, a partir dela, o que podemos esperar da evolução da pandemia.

O que é platô?

Com origem no francês, a palavra platô pode ser utilizada como sinônimo de planalto na área da geografia. Ou seja, significa uma superfície plana e elevada, mesmo cenário que pode ser verificado em uma curva epidemiológica.

O que isso significa?

Para Paulo Angelo Alves, o que se tem visto é um comportamento de evolução característico desse tipo de doença. Primeiro, há um crescimento exponencial, em seguida, uma estabilização para, a partir de então, regredir. “Hoje, existe um grupo de pessoas imunizadas, então a doença tem mais dificuldade para encontrar pessoas suscetíveis. A imunização começa a trabalhar contra a evolução da epidemia. É o ponto que estamos agora”, explica.

Este platô não significa uma curva decrescente de infecções, mas somente que o número de pessoas atingidas e de mortes tende a se estabilizar. Isso está relacionado, como esclarece o matemático, à taxa de reprodução da doença, ou seja, à capacidade que uma pessoa infectada tem de transmitir o vírus para uma certa quantidade de pessoas suscetíveis. Quando ela chega a um quer dizer que 100 pessoas transmitem o vírus para outras 100. “Supondo um número de reprodução inicial igual a 2 e a metade da população já imune, uma pessoa infectada pode ter contato com duas pessoas, mas uma delas não vai contrair a doença por já ter tido, então, só haverá a transmissão para uma e, a partir de então, começa a regressão”, acrescenta. E é justamente nesse ponto que é possível inverter a curva da epidemia, de acordo com pesquisadores.

Apesar de esta taxa ter passado de 1,18, registrada em junho, para 1,12, de acordo com o último boletim do observatório, Paulo pondera que a curva de óbitos por semana ainda não chegou ao pico. “Embora tenhamos chegado ao pico de infectados, nós ainda não atingimos o pico de óbitos. Os números são altos nos próximos dias até começaram a ceder”, comenta. Ainda não dá para saber também o impacto da reabertura das atividades comerciais. “Quanto maior a quantidade de pessoas infectadas simultaneamente, maior o risco de contaminação. Esse contingente está estável e a tendência é regredir. Mas ele reflete as interações sociais.”

A altura na qual a curva da evolução da epidemia tem se estabilizado em diversos estados brasileiros depende do tamanho da população e do número inicial de reprodução da doença, que depende do contexto social. “Aqui no DF, isso está compatível. O ponto de inflexão é ter uma atuação com inteligência epidemiológica para reduzir a taxa de contaminação”, pontua Alves.

Na avaliação do coordenador do observatório, mais do que nunca, agora é hora de fazer uso dos instrumentos de vigilância, da infraestrutura do Sistema Único de Saúde (SUS), com profissionais da saúde, assistência social, para procurar e encontrar os pontos de contágio. “E trabalhar na supressão da doença”, acrescenta.

Vacina, isolamento e rastreamento de casos são a solução

“As ideias de platô e pico são meio fictícias para poder interpretar a ocorrência diária de qualquer doença”, avalia o professor de epidemiologia Wildo Navegantes. Para ele, enquanto houver situações que favoreçam o contágio, o nível de casos permanece por mais tempo. “Trata-se de uma grande onda. Quando todo dia tem um número de casos muito semelhantes, pressupõe-se que ainda não alcançou um nível que vai começar a reduzir. A redução só vai acontecer mesmo quando tiver três cenários: primeiro, intervenções farmacológicas, como vacina e medicamento; segundo, a intervenção de permanecer em casa, porque a gente não favorece que as pessoas entrem em contato com as outras e o governador tem a oportunidade de fazer com que as pessoas entendam a necessidade de, se estiverem doentes, ficarem em casa e informarem a equipe de saúde; o outro lado é a intensificação por parte do Estado da investigação de contatos, ou seja, os agentes que vão até as pessoas para elas serem detectadas e só procurarem o sistema de saúde em casos graves”, explica.

Navegantes pontua que uma grande parte da população do DF ainda não se infectou e, com a reabertura das atividades, a medida expõe as populações mais vulneráveis, que podem se infectar no transporte público, que vão disseminar o vírus e muitas vezes não têm água ou sabão em casa. “Quando você permite que as pessoas se mantenham circulando, tem a parte mental, as pessoas estão cansadas do distanciamento, por outro lado, tem algumas pessoas que a gente precisa dar cuidado. Uma porcentagem vai precisar de tratamento especializado. Ao consumir leitos para pacientes com covid, você deixa de atender pessoas com câncer que precisam fazer cirurgia, por exemplo. Os tratamentos de algumas dessas doenças estão sendo postergados porque não tem leitos disponíveis. Se a gente promove essa redução do distanciamento, a gente vai consumir o mesmo leito. É profissional de saúde, é medicamento, é transporte, é energia, é água, é material de limpeza. Esse raciocínio de promover a retomada da atividade não está calculado corretamente”, analisa.

A circulação, sobretudo em uma cidade marcada pela desigualdade social como a capital do país, também interfere na taxa de reprodução do vírus. “Nas regiões administrativas, temos velocidades distintas dessa taxa. É um somatório de distanciamento social, adensamento das casas, o uso ou não de transporte coletivo”, explica o epidemiologista.

Fonte: Correio Braziliense