A nova demonstração de força da Covid-19

Atualizado em 10/12/2020

Após um período em que muitos relaxaram as medidas de prevenção, aumenta o número de pacientes com a doença nas unidades de tratamento intensivo

Final da primeira onda, início da segunda, ressaca do platô… Especialistas e políticos ainda discutem a expressão que melhor define o momento que estamos vivendo. O que parece inegável, no entanto, é que, desde o fim de novembro, o Brasil está registrando um repique de casos de Covid-19.

Entre 19 e 27 de julho, o país registrou o pico da doença, segundo dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde. Foram 319.653 casos em apenas oito dias. Naquele período, escolas, bares, restaurantes, praias, cinemas e comércios foram fechados em quase todas as cidades. Em Manaus, o caos chegou um pouco antes. No final de abril, a capital do Amazonas já tinha hospitais atendendo acima da capacidade, ambulâncias rodando pela cidade em busca de leitos e cemitérios lotados.

Nos meses seguintes, a situação começou a melhorar não só em Manaus como no restante do país. Apesar de ainda altos, os números regrediam. Paulatinamente, mais e mais pessoas passaram a crer que o pior momento havia passado, que o distanciamento já tinha enchido a paciência e que já era hora de dar uma relaxada nas medidas preventivas. Contrário a medidas de lockdown, o governo federal continuou batendo na tecla de que o brasileiro deveria aprender a conviver com o “novo normal”. E foi assim que chegamos à primeira semana de dezembro com as UTIs numa escalada. Na Região Metropolitana do Rio, a taxa de ocupação de leitos para Covid-19 ultrapassou 90% na segunda-feira 30, quando 50 pacientes esperavam na fila para atendimento. Na quarta-feira 2, o número já era 117. Em São Paulo, a taxa saiu de 39,5% em 1º de novembro para 53,1% em dezembro. A situação é pior na Grande São Paulo, onde o percentual ultrapassa 60%. Tudo isso e o período das festas de fim de ano e de férias ainda nem começou.

A indignação por causa dessa guinada foi maior nos lugares onde as eleições municipais parecem ter atrasado o anúncio de medidas mais duras. Em São Paulo, por exemplo, um dia após o pleito, o governador João Doria (PSDB) endureceu a quarentena e fez com que 100% do estado desse um passo atrás e retrocedesse uma fase no plano de retomada econômica, o que implicou em horário reduzido de funcionamento de estabelecimentos, além de menor quantidade de pessoas em comércios, bares e restaurantes.

Entre vários epidemiologistas, a sensação é de temor. A taxa nacional de transmissão do coronavírus, conhecida como RT, chegou a 1,66 na quarta-feira, dia 2, segundo análise da Info Tracker, uma ferramenta do Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria. Essa taxa significa que cada 100 pessoas infectadas pelo coronavírus são capazes de transmitir a doença para outras 166. E que as 166 infectam outras 275 e assim progressivamente. No começo de outubro, quando a pandemia dava sinais de estabilidade, a taxa de transmissão em todo o país era de 0,59.

Uma pandemia é considerada estável e controlada quando o RT está inferior a 1. “A tendência dos indicadores da Covid-19 não é de queda, mas sim de aceleração do contágio. Teremos um aumento substancial em dezembro, incluindo casos, hospitalizações e óbitos. Isso por si só já caracteriza que estamos observando uma nova onda acontecer”, afirmou Wallace Casaca, cientista de dados e um dos responsáveis pela plataforma Info Tracker.

No começo de dezembro, a boa notícia se resumiu ao exterior. O Reino Unido se tornou o primeiro país do mundo a autorizar o uso de um imunizante. Desenvolvido pela farmacêutica americana Pfizer e pelo laboratório alemão BioNTech, a vacina deve estar disponível nas “próximas semanas”, anunciou o porta-voz da Saúde britânica. A parte ruim é que a substância precisa ser armazenada a -70ºC, o que causa certa angústia nas equipes responsáveis pela logística. Num país como o Brasil, essa vacina tem poucas chances de ser utilizada pela nossa falta de estrutura.

A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) nas Américas, fez um alerta à comunidade internacional ao dizer que a vacina da Pfizer, considerada uma das mais adiantadas, terá “desafios de logística”. Além disso, ressaltou Jarbas Barbosa, subdiretor da organização, o anúncio de uma vacina não garante o fim da pandemia. “A disponibilidade de uma vacina não significa que na outra semana vamos ter doses em toda a rede. A princípio, as vacinas têm uma produção muito limitada”, disse.

Apostando nas vacinas que podem ser armazenadas em temperaturas mais altas, o plano preliminar do Ministério da Saúde prevê a aplicação de um imunizante em quatro fases para 109,5 milhões de brasileiros, que receberão duas doses. A expectativa seria iniciar a imunização em março, mas isso ainda depende da aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de uma ou mais vacinas ainda em período de testes. Entre as candidatas, está a vacina da Universidade de Oxford, em parceria com a Fiocruz, além da CoronaVac, imunizante chinês que será produzido em parceria com o Instituto Butantan, em São Paulo. Ambas podem ser armazenadas entre 2ºC e 8ºC.

A primeira fase da imunização deve incluir pessoas acima de 75 anos e profissionais de saúde. Na segunda, estão brasileiros que têm entre 60 e 74 anos. Na terceira, o grupo que possui comorbidades e, na quarta, professores e forças de segurança.

O Ministério ainda não definiu, no entanto, a quantidade de insumos (seringas e agulhas) necessários para uma vacinação tão grande. A demora preocupa fabricantes do setor, que temem não dar conta da produção a tempo. De acordo com Fernando Silveira Filho, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde (Abimed), ainda não foi aberta uma licitação para a produção do material. “As empresas ainda não foram formalmente consultadas. A nossa preocupação é alertar porque essa cadeia produtiva não é simples. Passa pelo fornecimento de insumos. No caso de seringas e agulhas, parte do material é importado. A indústria precisa de um prazo razoável de preparação. A demanda para a vacinação vai gerar um gargalo, que pode acabar prejudicando o atendimento à população”, alertou Silveira Filho.
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Por: Ana Letícia Leão
Fonte: Época