Uma sala de estar, um bar e uma sala de aula: assim o coronavírus é transmitido pelo ar

Atualizado em 27/10/2020

Os espaços fechados são os mais perigosos, mas é possível minimizar os riscos tomando todas as medidas disponíveis para combater o contágio por aerossóis. Estas são as probabilidades de infecção nestes três cenários cotidianos dependendo da ventilação, do uso de máscaras e da duração do encontro.

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A covid-19 é transmitida pelo ar, sobretudo em espaços fechados. Não é tão infecciosa quanto o sarampo, mas os cientistas já reconhecem abertamente o papel desempenhado na pandemia pelo contágio por aerossóis ― partículas minúsculas exaladas por um doente e que ficam suspensas no ar em ambientes fechados. Como funciona esse modo de transmissão? E, acima de tudo, como podemos contê-lo?

Neste momento, as autoridades sanitárias reconhecem três modos de contágio da covid-19: as gotas que os infectados exalam ao falar ou tossir, que acabam nos olhos, boca ou nariz do infectado; as superfícies contaminadas, embora os Centros de Prevenção e Controle de Doenças (CDC) dos EUA indiquem que este caso é o menos provável e o Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças informe que não foi descrito nem um único contágio por essa via; e, por último, a infecção por aerossóis: quando respiramos essas partículas infecciosas invisíveis exaladas por uma pessoa doente e que se comportam como uma fumaça ao sair de nossa boca. Sem ventilação, elas ficam suspensas e se condensam na sala à medida que o tempo passa.

No início da pandemia, teve-se a impressão de que o principal veículo de contágio eram essas grandes gotas que lançamos ao tossir ou espirrar. Mas agora sabemos que gritar e cantar num espaço fechado, mal ventilado e por muito tempo também gera um alto risco de transmissão. Isso acontece porque, ao falarmos a plenos pulmões, lançamos 50 vezes mais partículas carregadas de vírus do que em silêncio. Se não forem diluídos com a ventilação, esses aerossóis se concentram com o passar do tempo, aumentando o risco de contágio. Os cientistas demonstraram que essas partículas, que também liberamos ao respirar ou com máscaras mal ajustadas, podem ser contagiosas a cinco metros de um doente e durante muitos minutos, dependendo das condições. Essas são as condições que reproduzimos nestes exemplos e que convém evitar a todo custo.

Na primavera do hemisfério norte, as autoridades sanitárias ignoraram essa via de contágio, mas recentes publicações científicas obrigaram a Organização Mundial da Saúde (OMS) e os CDC a reconhecer esse risco. Um artigo da revista Science fala de evidências “esmagadoras”, e os CDC afirmam que, “sob certas condições, pessoas com covid-19 poderiam ter infectado outras que estavam a mais de dois metros de distância. Essas transmissões ocorrem dentro de espaços fechados com ventilação inadequada. Em alguns casos, a pessoa infectada respirava com intensidade, por exemplo ao cantar ou se exercitar”.
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Um bar ou restaurante

Os contágios em eventos, lojas e estabelecimentos como bares e restaurantes são uma parte importante das transmissões do âmbito social. E são os mais explosivos: cada surto numa discoteca envolve em média 27 pessoas infectadas, contra apenas 6 contágios em reuniões familiares como a mostrada no princípio. Exemplo do que pode ser um desses supercontágios foi o que aconteceu numa boate de Córdoba (Espanha), com 73 infectados após uma noite de festa. Ou ainda o contágio de 12 clientes num bar do Vietnã, analisado recentemente pelos cientistas.

O colégio

As escolas representam apenas 6% dos contágios registrados pelo Ministério da Saúde espanhol. As dinâmicas de contágio por aerossóis na sala são muito diferentes se o paciente zero for aluno ou docente. Os professores falam por muito mais tempo, elevando a voz para serem ouvidos, o que multiplica o lançamento de partículas potencialmente contagiosas. Em comparação, um possível aluno doente fala de forma muito esporádica. O Governo espanhol já recomendou, com diretrizes do CSIC (agência espanhola de pesquisa científica), que as salas de aula sejam arejadas embora isso signifique desconforto por causa do frio ou o uso de equipamentos de ventilação.

Para calcular as probabilidades de contágio das pessoas presentes em situações de risco, usamos um simulador desenvolvido por um grupo de cientistas liderado pelo professor José Luis Jiménez, da Universidade do Colorado (EUA), criado com a intenção de mostrar a importância dos fatores que reduzem o contágio por aerossóis. O cálculo não é exaustivo nem pode incluir as inúmeras variáveis que influem num contágio, mas serve para ilustrar a progressão dos riscos em função dos fatores nos quais podemos intervir. Os participantes mantêm a distância de segurança nas simulações, eliminando o risco de contágio por gotículas, mas ainda assim podem contrair o vírus se não forem tomadas todas as medidas ao mesmo tempo: ventilar corretamente, reduzir a duração dos encontros, limitar a capacidade do estabelecimento e usar máscaras. Em todos os contextos, o cenário ideal seria um espaço aberto, onde as partículas infecciosas se diluem rapidamente. Se não for mantida a distância em relação ao possível paciente zero, a probabilidade de contágio se multiplica porque entram em jogo as gotas expelidas e porque a ventilação não seria suficiente para diluir os aerossóis se as duas pessoas estiverem muito juntas.

Os cálculos mostrados nos três cenários se baseiam em estudos sobre como ocorrem as transmissões por aerossóis, com contágios reais que puderam ser analisados em detalhe. Um caso de grande utilidade para entender a dinâmica de contágio em espaços fechados foi vivido durante um ensaio de um coral no Estado de Washington (EUA) em março. Apenas 61 dos 120 membros do coral compareceram ao ensaio e tentaram manter distância e higiene. Sem saber, provocaram um cenário de máximo risco: sem máscaras, sem ventilação, cantando e dividindo espaço por muito tempo. Um único portador do vírus, o paciente zero, contagiou 53 pessoas em duas horas e meia. Alguns dos infectados estavam 14 metros atrás dele, de modo que somente os aerossóis podem explicar o contágio. Dois dos doentes morreram.

Após estudar minuciosamente esse caso, os cientistas puderam calcular até que ponto o risco seria reduzido se tivessem sido tomadas medidas contra a transmissão aérea. Nas condições reais, o contágio afetou 87% dos presentes. Com máscaras durante o ensaio, o risco cairia pela metade. Num ensaio mais curto e ventilado, apenas dois membros do coral teriam se infectado. Esses cenários de supercontágio cada vez parecem mais decisivos no desenvolvimento e na propagação da pandemia. Portanto, contar com ferramentas para evitar as infecções em massa em eventos desse tipo é vital para controlar a doença.

Metodologia: Calculamos o risco de infecção por covid-19 a partir de uma ferramenta desenvolvida por José Luis Jiménez, especialista em química e dinâmica de partículas no ar da Universidade do Colorado (EUA). Outros colegas do mundo todo revisaram o simulador, que se baseia em dados e métodos publicados para estimar a importância de diferentes fatores mensuráveis que entram em jogo num cenário de contágio. Ainda assim, o modelo tem precisão limitada porque é baseado em números que ainda são incertos, como a quantidade de vírus emitida por uma pessoa infectada e sua capacidade de infecção. O modelo assume que as pessoas praticam o distanciamento físico de dois metros e que não há pessoas imunes. Em nosso cálculo, atribuímos às máscaras o valor por padrão para a população em geral, que inclui toda a variedade de máscaras (cirúrgicas e de tecido) e um tom de voz alto, o que aumenta a quantidade de aerossóis exalados.
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Fonte: El País Brasil