Tijolo por tijolo, mulheres ajudam outras a erguer casas e autoestima

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ODS 5 
Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas

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Quando foi contemplada com um lote na ocupação Paulo Freire, na região do Barreiro, em Belo Horizonte, há três anos, Chay Miguel, 31, se deparou com a necessidade de contratar um pedreiro para construir sua casa. Sozinha com o filho Yan, hoje com 11 anos, ela encontrou uma pessoa que ergueu um cômodo, que era o que o dinheiro permitia, mas ainda faltava muito para que o lar estivesse pronto.

A partir do contato com um grupo de moradoras da região, conheceu o projeto Arquitetura na Periferia, que capacita mulheres para conduzir reformas em suas casas. “As aulas eram muito especiais, era cada dia uma novidade. Pude aprender da teoria à prática”, conta Chay, que usou os conhecimentos adquiridos para construir um esgoto e um piso novo no banheiro. Ela também fez a parte elétrica e o reboco de parte da obra.

“Nunca imaginei fazer transformações que foram além do material, do concreto. Foram coisas de fora para dentro. O conhecimento trouxe um sentimento de que eu era capaz. Vi que eu conseguia ir além do que eu imaginava, que eu poderia ter autonomia” – Chay Miguel, modelo fotográfico.

A cerâmica da cozinha, que ela mesma assentou, é resultado de uma oficina com Cenir Aparecida Silva, 52 anos, mestre de obras do projeto e moradora do bairro Urucuia, no Barreiro de Cima, em BH.

Há alguns anos, Cenir também fez a própria obra. Ela recebia assessoria técnica em regime de mutirão nos finais de semana, mas decidiu se aprimorar. Fez curso de marcenaria estrutural com uma arquiteta e professora da PUC, aprendeu elétrica, pintura, até se tornar mestre de obras pela escola de engenharia da UFMG.

“Não foi uma caminhada fácil, porque tenho quatro filhos e sempre cuidei deles sozinha. Minha vida ficou melhor depois que comecei a trabalhar em construção civil. Antes trabalhava com vendas e sempre levava muito prejuízo. Hoje estou na área há 22 anos e cada dia ainda aprendo mais”, diz Cenir.

“Nessas oficinas que a gente faz eu vejo nas meninas a força que eu tinha antigamente, a vontade de aprender, aquele desejo de melhorar. Isso me faz muito feliz, me deixa bem comigo mesma. Ver essa força que elas têm é muito importante para mim, consigo me ver na época em que comecei.” – Cenir Aparecida Silva, mestre de obras.
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Acesso a direitos básicos

O projeto Arquitetura na Periferia nasceu da tese de mestrado da arquiteta Carina Guedes na UFMG em 2013. “Queria entender por que a arquitetura fica restrita às grandes obras e às classes privilegiadas, enquanto tem tanta gente construindo o tempo todo. A gente anda pela cidade e vê as periferias crescendo, sem acesso a esse tipo de serviço”.

Na ocasião ela pôde investigar o assunto com o apoio do grupo de pesquisas MOM (Morar de Outras Maneiras), que já atuava no atendimento de demandas populares. Carina, então, desenvolveu um método de assessoria técnica para melhoria da moradia a pequenos grupos de mulheres.

Durante o mestrado ela conseguiu testar esse método no primeiro grupo de mulheres na ocupação Dandara, região norte de Belo Horizonte. “O processo foi pautado pelo compartilhamento da informação, em vez de simplesmente focar no produto, que é o projeto arquitetônico”, diz. “Ele foca no aprendizado, em aprender a planejar a reforma. Com isso você aprende a planejar várias outras coisas, e a sua vida toda pode ser impactada de maneira positiva —na autoestima, principalmente”.

Hoje o grupo atua de forma contínua com a ajuda de doações mensais em três comunidades da capital mineira, Eliana Silva, Paulo Freire e Dandara. A cada ano elas formam pelo menos um grupo de mulheres em cada uma dessas comunidades.

Com a pandemia, as atividades presenciais foram suspensas em março, mas o projeto continua. As obras em andamento recebem assessoria de forma remota, enquanto as aulas presenciais deram lugar aos encontros online. O cenário causado pela covid-19 fez com que o grupo abrisse outras frentes, como, por exemplo, a arrecadação de recursos para cestas básicas e kits de higiene, além de uma equipe que presta apoio psicológico às mulheres desde o ano passado.

Para a arquiteta, a casa vai muito além do espaço físico. “Principalmente para as mulheres da periferia, ela significa também o acesso a direitos básicos. Você precisa de um endereço para conseguir colocar o filho na creche, acessar a saúde. Com a pandemia isso ficou mais evidente, ao ver as mulheres trabalhando em suas casas para torná-las melhores. Elas saem de um lugar em que são dependentes de alguém para fazer qualquer mudança para um lugar de ‘eu posso fazer e a qualidade de vida da minha família vai melhorar'”.
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Fonte: Ecoa/UOL


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Ainda que cerca de 90% de todo material reciclado do país sejam coletados pelos catadores, a categoria continua atuando na informalidade e sofrendo com a invisibilidade em relação às políticas sociais. Com a disseminação do novo coronavírus, a vulnerabilidade do grupo que tira seu sustento das ruas ficou maior. O cenário levou a ONG “Pimp My Carroça” a criar uma renda mínima para esses trabalhadores.

Por meio de um financiamento coletivo, a organização, que atua há oito anos junto aos catadores de materiais recicláveis, arrecadou R$ 318.856,  que serão distribuídos entre profissionais já atendidos pelo Pimp My Carroça. No total, 2.328 pessoas apoiaram a iniciativa via vaquinha virtual. Além disso, algumas pessoas fizeram doações diretamente na conta da ONG e empresas também contribuíram, totalizando cerca de R$1,4 milhão arrecadados. A quantidade de catadores que receberá o benefício ainda não foi decidida, assim como o valor que será disponibilizado para cada um, mas a ONG estima que pelo menos 1770 trabalhadores recebam o benefício de cerca de R$ 800.

Após levantar o valor, a ONG tem feito uma varredura no banco de dados da instituição, que é criadora do aplicativo “Cataki”. O app liga catadores a pessoas e empresas que desejam contratar serviços de reciclagem. O levantamento pretende identificar os trabalhadores em situação vulnerável devido  à pandemia e auxiliá-los com a renda mínima, e cartões com o crédito estabelecido pela iniciativa já estão sendo distribuídos para os trabalhadores. Vinte e dois voluntários da ONG já efetuaram cerca de sete mil ligações telefônicas para apurar a situação dos trabalhadores neste momento.

— Descobrimos que a renda do catador que tinha que trabalhar para ganhar o dinheiro do almoço despencou. O catador estava desprovido de renda e tinha que ficar em casa. Antes do governo federal, lançamos nosso projeto de renda mínima com o intuito de levar dinheiro a essas pessoas. Colocamos uma meta de R$ 500 mil — conta Mundano, grafiteiro e fundador da ONG. — Nas ligações que fizemos, houve catadores que renunciaram ao apoio porque têm consciência de que há colegas com necessidade maior. Muitos disseram “eu estou bem, tenho minha reserva, deixe o benefício para meu colega”.
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Cestas e KITs de higiene

Além da renda mínima, a ONG atua em outras frentes durante a pandemia com a distribuição de KITs de higiene, refeições e cestas básicas. De acordo com a Pimp my Carroça, desde o início da disseminação do novo coronavírus, já foram distribuídas mais de 16 mil refeições em São Paulo e cerca de 1.500 cestas básicas.

Um vídeo ensinando a confeccionar o “Kit água e sabão” para garantir a higiene dos catadores e evitar a disseminação do vírus viralizou nas redes e pessoas comuns passaram a produzir o material, que, basicamente, consiste em duas garrafas pet uma com água e outra com água e sabão diluído.

Ao longo dos anos, a ONG, que já contou com a ajuda de 2.400 voluntários, auxiliou mais de dois mil catadores em 50 cidades ao redor de 15 países. Além dos voluntários, 1.200 artistas já participaram de iniciativas da ONG, que também reforma os carrinhos de coleta dos catadores. Para os interessados em fazer doações, o Pimp my Carroça disponibiliza o e-mail doacoes@pimpmycarroca.com.

— O Brasil é o sétimo país mais desigual do mundo. E, ao contrário do que se pensa, não é um país que doa muito. Mas, neste momento a sociedade civil, por incapacidade do governo e de um líder que age contra o que diz a OMS, foi a primeira a dar resposta. Essas pessoas doaram o que puderam para que catadores pudessem ter um isolamento social mais digno. O projeto de auxílio emergencial do governo não chegou à maioria dos catadores — afirma Mundano.
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Recomendações do MP

No final de março, após o início da pandemia, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União emitiram uma nota com recomendações para garantia da saúde dos catadores de materiais recicláveis durante a pandemia. Entre as recomendações, os órgãos estabeleciam a necessidade de pagamento de renda mínima para esses trabalhadores, assim como fornecimento de álcool em gel e kits de proteção.

— Existem ainda catadores nos lixões do país. Temos muitos catadores em situação vulnerável e há subnotificação sobre isso. Esse é um universo invisível para muitas pessoas. Na pandemia, essa categoria se tornou mais visível, já que muitos não pararam de trabalhar, arriscando-se nas ruas —  conclui Mundano.
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Fonte: O Globo