Pesquisa traça quais são as sensações afloradas na quarentena e cria um banco sobre a vida em isolamento

Atualizado em 14/7/2020

No dia 18 de março, quando muitos começavam o isolamento para se proteger da Covid-19, a primeira leva de perguntas da pesquisa “Emoções em quarentena” foi disparada pela empresa de estratégia criativa Wonderboom em parceria com os escritórios de pesquisa Huma e Maré. O questionário começou abordando a adaptação à nova rotina, que havia sido bruscamente alterada quando escolas fecharam, empresas introduziram o home office, espaços de lazer cancelaram suas agendas e restaurantes passaram a funcionar exclusivamente com delivery.

Foram 13 semanas de levantamento, que usou o método survey on-line, um questionário disparado via internet (o principal canal foi o WhatsApp) com perguntas fechadas e abertas. “Não fizemos esse estudo com objetivo comercial. A ideia é mostrar para as pessoas que elas não estão sozinhas, com sentimentos estranhos. Há um lugar-comum, apesar das particularidades de cada história”, diz a pesquisadora Camila Coelho, fundadora da Wonderboom. “As pessoas estavam se questionado muito. ‘Será que só eu estou assim?’ era uma pergunta frequente. Comprovamos que há novos sentimentos majoritários, comuns a todos, e que não eram fortes antes da quarentena”, completa. O projeto acontece em um momento desconhecido até mesmo para os pesquisadores. “Vamos nos entendendo junto com os entrevistados. Vivemos a própria pesquisa, somos pesquisadores e pesquisados”, brinca Camila.

Por semana, foram cerca de 800 pessoas abrindo os detalhes do dia a dia durante a pandemia e virando estatística. Nas três primeiras, o estudo se debruçou sobre os sentimentos gerais. Em seguida, focou em tópicos como alimentação, libido, autocuidado, solidariedade, sono e consumo on-line. “Os principais sentimentos declarados até a quinta semana do levantamento foram ansiedade e preocupação. A partir da sexta semana, apareceram cansaço e tédio. Um fator interessante é que quanto menor o salário, maior são tais sensações”, destaca ela, reforçando como a desigualdade social ficou escancarada durante a pandemia até mesmo na intimidade.

Assim como o humor ficou desajustado, a libido também está sofrendo. Metade da mostra afirmou que não está conseguindo manter relações sexuais e sentiu o desejo diminuir. Houve, no entanto, o crescimento da turma apelidada de beginner, que iniciou práticas novas no período. Muitos começaram a cozinhar, meditar, fazer sexo virtual e mandar nudes por causa do isolamento.

A diretora de TV Natalia Warth, de 36 anos, nunca tinha sido muito de cozinhar. Mas em função do cuidado com a alimentação da filha Maria Rosa, de 3 anos, precisou se jogar nas panelas para criar menus para a pequena. Acabou virando um hobby divertido. Ela seleciona os ingredientes, define as receitas, prepara tudo cuidadosamente, monta uma série de marmitinhas coloridas e ainda fotografa para impressionar os amigos. “Virou um lugar de afeto muito grande. Tenho curtido. As aulas de pilates, as quais sempre faltava, também viraram outro grande prazer que levo a sério. É uma horinha que me sinto pertencendo a algum lugar do lado de fora de casa. Pratico na sala, com a Rosa brincando junto, trocando ideia com os outros alunos e ainda cuidando de qualquer dor nas costas que apareça”, conta Natalia.

Outra tendência do momento é a onda in natura: houve diminuição ou parada completa de depilação e ainda do uso de desodorante, maquiagem, perfume e até protetor solar por uma fatia considerável de pessoas que jamais tinha deixado tais rituais de lado. Porém, que fique claro, apesar dessa corrente estar em alta, a maior parte das pessoas afirmou não ficar desarrumada em casa. Pijamas, só para dormir. A maioria dos entrevistados declarou que está tentado manter uma rotina dividida e com roupas diferentes para cada momento do dia. O psicólogo Diego Ferreira, de 29 anos, respondeu semanalmente ao questionário e, junto com as etapas da pesquisa, ele percebeu a importância que é se preparar para trabalhar como se fosse sair de casa. “Tem me ajudado me arrumar para o trabalho e me desarrumar quando termina. Isso cria divisões no dia. Além disso, ajuda a manter a minha autoestima e até o meu relacionamento, já que estar bem cria desejo e sedução. Faço look, passo perfume, tudo”, conta ele, que mora junto com o namorado e um gato. “Não estar sozinho também tem sido bom. Sempre trabalhei com muita gente ao redor, adoro circular, andar no sol. Preciso dos encontros, e estou sentindo cada vez mais falta disso. Confesso que tenho um melhor amigo que mora no mesmo prédio e, volta de meia, nos visitamos.”

Um dos dados do mapeamento é exatamente sobre conseguir ficar no mesmo endereço. Cerca de 70% dos participantes garantem que permaneceram na própria casa, sem furos. Mas 24% admitem que já passaram um tempo em outra residência. E a menor parte, 6%, conta que precisou até mesmo mudar de casa, por questões financeiras, de convivência ou de espaço.

O sono também foi bastante afetado durante a pandemia. Mais da metade dos entrevistados não consegue dormir e 12% da mostra está recorrendo aos remédios. A analista de RH Emilly Bezerra, de 26 anos, conta que está com dificuldades para pegar no sono. Antes, caía na cama e só acordava com o despertador. Agora, insônia e sonhos inusitados abalam sua noite. “Estou até me sentindo estável emocionalmente, mas meus sonhos estão bem diferentes e, por vezes, não durmo a noite toda. Isso tem me deixado quebrada durante o dia, com dor de cabeça e rendimento abalado. Os sonhos estão bem doidos. Já sonhei que a Jeniffer Lopez me adotava, por exemplo. Responder a pesquisa funciona como autoanálise”, conta ela.

O levantamento mais recente foi sobre a reabertura. E o resultado foi alarmante: 67% acreditam que o país está “nada preparado” para isso. Caos, loucura, medo, desespero, despreparo e morte são palavras citadas. “Sobre os hábitos adquiridos na quarentena, 80% dos entrevistados acreditam que levarão para frente, principalmente, os de limpeza e de cozinhar. E o que mais querem fazer quando a pandemia passar é encontrar os amigos”, revela Camila.

Fonte: O Globo