O que muda na pandemia com as novas variantes do coronavírus?

Atualizado em 27/1/2021

Vírus são agentes infecciosos extremamente pequenos, e para se reproduzir, precisam invadir as células de seus hospedeiros, como nós, humanos. Quando somos infectados, os vírus produzem milhões de cópias de si mesmos, e nesse processo eles também fazem cópias do material genético viral (o genoma). Esse processo, no entanto, é passível de erros: ‘letras’ (nucleotídeos) dos genes dos vírus acabam sendo trocadas por outras ‘letras’ (ATCGs) (ver Figura 1).
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Figura 1. Etapas do ciclo de replicação de um vírus: 1. Adsorção; 2. Entrada; 3. Desnudamento; 4. Transcrição e tradução; 5. Replicação do genoma; 6. Montagem, e; 7. Liberação. Na etapa 5, durante a replicação, erros de cópia do material genético geram mutações. © Anderson F. Brito
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Essas trocas de ‘letras’ no código genético são as mutações. Mutações em genomas virais acontecem o tempo todo. O coronavírus da covid-19 (chamado Sars-CoV-2), por exemplo, acumula cerca de 2 mutações por mês. Porém, não chegamos nem a ver grande parte das mutações: são desvantajosas ao vírus, e os mutantes não prosperam. As poucas mutações que vemos são mantidas por mera chance (pois são neutras), e uma rara minoria oferece alguma vantagem, em especial quando também mudam as proteínas do vírus.

Se os vírus estão sendo transmitidos, infectando mais e mais pessoas, mais mutações ocorrem: isso é normal, e esperado. Genes com mutações podem ser passados de uma geração viral para a outra, exatamente como seus pais passaram os genes deles para você. O princípio é o mesmo. Os vírus mudam com o tempo, e se agrupam em linhagens de vírus aparentados, variantes virais, já bem diferentes do vírus original detectado na China (ver Figura 2).
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Figura 2. Trajetória evolutiva de quatro vírus. Sempre que vírus são transmitidos de uma pessoa a outra, e iniciam infecções, mutações ocorrem. A medida que evoluem, variantes virais diferentes das formas ancestrais vão surgindo, e se subdividindo em linhagens virais com diferenças genéticas específicas. © Anderson F. Brito

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AS VARIANTES QUE SURGIRAM NO REINO UNIDO E NA ÁFRICA DO SUL

As novas variantes recentemente identificadas têm se tornado a forma dominante do coronavírus no Reino Unido (linhagem B.1.1.7) e na África do Sul (linhagem B.1.351). Evidências epidemiológicas e estudos em laboratório sugerem que as mutações adquiridas por estas variantes, que afetam principalmente a espícula viral (proteína “spike”), conferem a eles uma maior capacidade de serem transmitidos. Até então, nada sugere que essas variantes causem doenças mais sérias. No entanto, como eles se espalham mais rápido que outras variantes, eles infectam mais pessoas, então logo levam a mais internações, aumentam a demanda por leitos, e por consequência, levam a mais mortes: representam riscos importantes ao nosso sistema de saúde.

VARIANTES QUE SURGIRAM NO BRASIL

Grupos de pesquisadores brasileiros têm monitorado o surgimento e circulação de novas variantes no país. No Rio de Janeiro foi detectada a linhagem B.1.1.28, que surgiu em julho de 2020. Ainda não se sabe se as mutações encontradas em variantes desta linhagem alteram a capacidade do vírus de causar doença grave, ou de se transmitir com mais eficiência. Estas variantes apresentam uma mutação específica na espícula viral (E484K), com potencial de escapar da ação de anticorpos, no entanto, mais pesquisas são necessárias para entender melhor os efeitos desta e de outras mutações.

E AS VACINAS? SERÃO AFETADAS OU NÃO?

Muitos se perguntam que efeitos as mutações das novas variantes terão sobre vacinas. Ainda não se sabe como as novas mutações favorecem o coronavírus, nem se variantes afetarão a eficácia de vacinas. Quando somos vacinados, os anticorpos que produzimos se ligam a várias partes das proteínas virais, como a espícula do vírus. Para afetar a eficácia de vacinas de forma significativa, mutações têm que afetar várias regiões da proteína. Apenas com poucas mutações, não se espera uma perda grande de eficácia, como de 95% para 0%. Se por ventura um conjunto de mutações levar a perdas consideráveis de eficácia, a ponto de cair abaixo dos 50% recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), as indústrias farmacêuticas, em especial as que produzem vacinas de RNA, podem atualizar as vacinas dentro de poucas semanas, gerando imunizantes que terão as novas variantes como alvos principais. Espera-se que vacinas contra a covid-19 sejam eficazes por pelo menos um ano, e se tivermos que atualizar as vacinas, como já fazemos com a vacina da gripe, todo ano, já temos meios para reagir às mudanças virais.

O QUE MUDA NA PANDEMIA?

Diante das evidências de maior transmissibilidade do vírus Sars-CoV-2, medidas de proteção contra a covid-19 têm agora que ser seguidas de forma mais séria do que antes.

– Use máscara quando estiver em ambientes com outras pessoas;

– Mantenha o distanciamento: o coronavírus está onde pessoas estão;

– Evite locais com muitas gente, fechados ou mal ventilados;

– Faça a higiene das mãos regularmente;

– Fique atento a sintomas: busque fazer o teste RT-PCR quando sento-los, e evite transmitir o vírus.
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Por: Anderson F. Brito, virologista e pesquisador de pós-doutorado da Universidade Yale, nos Estados Unidos

Fonte: Portal Drauzio Varella

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